Escalando um ícone do Marumbi
Edson Struminski (Du Bois)
O Marumbi, por si só um ícone do montanhismo paranaense, sempre foi palco de significativas aventuras para os escaladores das diversas gerações que tem freqüentado esta montanha desde o século XIX, quando uma primeira trilha foi aberta na região.
A partir dos anos 1940 as paredes começaram a atrair os olhos dos primeiros escaladores e até os anos 70, as vias abertas eram em chaminés, fendas ou artificiais, que refletiam as possibilidades materiais e técnicas destas épocas.
A partir dos anos 80 surgiram novos equipamentos e as técnicas evoluíram para as escaladas livre e limpa. Grande número de novas paredes começaram a ser abertas e novos escaladores ingressaram no esporte. Abrolhos, Esfinge e Torre dos Sinos, com grandes paredes, viram escaladores em solitário, como eu, ou em pequenos grupos investindo seriamente na abertura de novas vias.
A via Los Encardidos é uma destas vias que foram abertas no fim dos 80 no Marumbi por José Luis Hartmann (Chiquinho), Bito Meyer e Júlio Nogueira. Inicialmente fez uso de um imenso tapete vegetal na base da parede, mas ao longo dos anos recebeu modificações, que deixaram esta via praticamente na rocha. Tem mais de 400 metros que discorrem sobre placas de pedra, fendas, fissuras, passagens sobre a vegetação, culminando em um maravilhoso teto em artificial móvel. Enfim, é um resumo de um pouco de tudo o que há no Marumbi em matéria de técnicas modernas de escalada, além de incluir uma curiosa cordada em artifical da via “Face Norte”, concluída no início dos anos 60.
Como se não bastasse tudo isto, a Los Encardidos é um ícone devido a um acontecimento fortuito que foi a publicação, em janeiro de 1993, de uma matéria sobre as vias que estavam sendo abertas, na época, na Torre dos Sinos. Tratava-se da revista Solo, editada em Curitiba e que, como muitas revistas de montanha, teve vida curta, com apenas 2 números, mas apresentou uma inovação que foi a publicação, nas suas páginas centrais, de um pôster sobre algum assunto de montanha.
O número zero da Solo mostrava uma cordada em plena ação na Los Encardidos, o que foi suficiente para promover esta bela via a condição de ícone. Por anos a fio o pôster alimentaria a imaginação dos escaladores em relação a esta escalada, mas como seria de se imaginar, a via teve poucas repetições. Provavelmente o próprio Chiquinho se tornaria o principal freqüentador desta parede, vislumbrando e pondo em prática modificações que dariam à esta escalada um aspecto cada vez mais “rochoso”, técnico e, consequentemente, mais bonito.
Em um destes feriados do início de junho formou-se, sem maiores planejamentos, um grupo para escalar a via. Edmilson Padilha (o Ed da Conquista), havia convidado um colega de São Paulo (Wagner) e acabei sendo convidado pelo amigo Ermínio Gianatti para repetir a escalada.
Tinha dúvidas em relação a minha capacidade (com 44 anos) de encarar uma via tão exigente. Principalmente em relação aos joelhos, que sempre são as peças mais exigidas, depois de alguns anos, em grandes aventuras. Mas também não tinha nada a perder. Após milhares de aventuras em montanhas, não precisaria ter vergonha de desistir de uma parede, se fosse obrigado.
Formaríamos duas cordadas independentes, mas próximas. Nosso amigo paulista chegou de viagem em Campo Largo (alguns quilômetros depois de Curitiba) e de lá seguiu com Ed até o Anhangava, antes de Curitiba, onde Ermínio e eu moramos. Na mesma noite fomos para Engenheiro Lange, estação de trem próxima do Marumbi. Meia noite estávamos na casa de nosso amigo Irivan, no Marumbi, onde tiramos uma soneca e às 4 da manhã acordamos de novo para começar o caminho para a base da via.
O tempo excepcionalmente seco facilitou a caminhada, mas a subida no escuro, com grande quantidade de material era um dificultador. Me perco do grupo e levo um tempo para encontrar os demais. Amanhece e começamos a subir as primeiras cordadas, uma rampa de pedra difícil em meio à densa vegetação da base. Ermínio e eu vamos nos revezando na cabeça da cordada. Ed (que já conhecia a via) e Wagner nos seguem. A partir da 3a cordada já é possível vislumbrar a parede a partir de um maravilhoso platô. A visão nos enche de entusiasmo e também de apreensão, pois é uma autêntica parede marumbina, com toda a beleza, desafio e riscos que isto implica. Seguem-se cordadas delicadas em móvel, mistas, com passos delicados em vegetação, passagens delicadas em móvel. Tudo mais ou menos delicado na verticalidade da parede. Há revezamentos, autoajudas. O grupo reunido fortuitamente (onde sempre há chances de alguém atrapalhar os demais) se mostra singularmente digno de uma grande empreitada.
Passa o tempo, o sol bate forte na parede, a água começa a acabar e quase não comemos. Às 4 da tarde chegamos à onda, a cordada do teto. Reunimos e grupo e resolvemos curtir o pôr de sol no imenso platô ali existente. A última cordada é feita de noite e consequentemente a cansativa e enervante seqüência de rapeis. Tentamos nos manter acordados e minimamente atentos para a longa descida, conferindo-nos mutuamente se estamos seguros. O cansaço gera pequenos erros e trapalhadas, mas estamos descendo. Cordas presas, sede, cansaço. Chegamos ao chão e ao cantil reserva. 3 horas da madrugada finalmente caímos na cama, 23 horas de atividade.
Já fui um rato do Marumbi em época passadas, um bergvagabunden, um “vagabundo das montanhas” enfurnado nas paredes, seja conquistando, seja para repetir uma via. Tratava-se de um ideal romântico do tipo “um homem, uma montanha”. Por outro lado as informações, naquela época eram tão escassas que praticamente a única chance de eu repetir uma via qualquer era esbarrando na base dela. Praticamente não haviam croquis e os antigos criavam “mitos” sobre as escaladas, com o intuito, talvez, de testar nossa perseverança. Havia ainda preconceito contra escaladores solitários pouco interessados na vida social da vila do Marumbi.
Hoje os tempos são outros e meu tempo também já é outro para estas coisas. Fizemos uma belíssima via com um croqui cedido gentilmente pelo próprio Chiquinho que está finalizando um guia sobre o Marumbi. Se por um lado o Marumbi chegou a perder aquela aura mágica, em função do desgaste que tive com o “social” local, permaneceu o fascínio por estas grandes paredes, principalmente porque já tive chances de freqüentá-las um dia.
De modo geral a atitude do pessoal do Marumbi foi respeitosa com o grupo e acabei descobrindo que meus parceiros de escalada são pessoas que também tem um currículo excepcional. Depois que a historinha se espalhou recebi vários cumprimentos pela aventura. Mas acho que o cumprimento deve ser estendido a todos aqueles, que um dia vislumbraram um via no Marumbi e a abriram.
Julio Nogueira05/07/2007 13:16:29
Site Dubois
Parabéns Dubois pela página e pela repetição da Los Encardidos, ao longo dos ultimos 15 anos pouquíssimos escaladores repetiram esta via, mesmo tendo ela ficado famosa na revista SOLO-93. Assim como outras belas vias do Marumby (Caroço, Ilusionista, Pavor no Paraíso entre tantas), a Los…remonta uma época de revolução no Montanhismo Paranaense. Não obstante possuirmos escaladores com nível Internacional, o Montanhismo Paranaense precisa de uma safra de novos Montanhistas para que tenhamos novas vias, ou pelo menos repetições e regrampeações das velhas…
Abraços,
Julio Nogueira
Montanhista e Geógrafo
mail: jcngeo@hotmail.com
Du Bois05/07/2007 16:03:11
Los encardidos
Faço minha as palavras do Júlio.
Fica feio só os trintões e quarentões entrarem nas vias bonitas do Marumbi e outras da serra.
Acredito que com a edição do guia do Marumbi, brevemente, pelo Chiquinho, o pessoal “descubra” novamente o Marumba e trate de usufruir de suas belas paredes.
No Mais Chiquinho e Júlio já entraram para a história.
E vocês garotada?
Taylor Thomaz06/07/2007 19:41:39
Los Encardidos
Uma escalada memorável, um exemplo de vida na montanha, queria chegar com essa idade e também estar mandando coisas deste tipo, muito massa! Mando bem Dubois!