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Archive for junho \27\+00:00 2014

Por Edson Struminski (Du Bois)

Escalar as paredes de basalto da serra gaúcha é uma espécie de desejo antigo. Pelo menos desde 1989, quando avistei pela primeira vez os cânions da região. Desde então eu imaginei o dia em que eu teria oportunidade de subir uma linha qualquer naquele grande universo representado por estas formações com cânions e torres de basalto,  tão diferentes do granito da serra do mar paranaense, que era a principal formação de montanhas que eu frequentava, na época.

Neste período em que estou morando aqui na fronteira com o Uruguai, minha atenção como montanhista voltou-se para objetivos, digamos, mais fronteiriços: as formações de arenito do norte do Uruguai e do sul do Brasil, as rochas conglomeradas da região de Bagé e Caçapava do Sul, ou mesmo as distantes, mas igualmente atrativas montanhas de granito ou migmatito da serra de Córdoba, na Argentina, como contei em um post anterior (https://blogdodubois.wordpress.com/2014/05/22/cordoba-em-abril/).

Depois de fuçar pelo Uruguai e principalmente, após esta viagem à Córdoba, algo como 16 hs de automóvel, percebi finalmente que não dava mais para ignorar a serra gaúcha e seus basaltos, a meras 6 a 7 hs na direção norte, ou seja, em direção ao Brasil. Junto de meus companheiros, Fabrício Domingues e  Miriam Chaudon, tratamos de buscar um feriado adequado (Corpus Christi), com tempo bom e montamos nossa ida para a atrativa região de Canela, no norte do Rio Grande do Sul, tendo como meta escalar no Pico da Canastra. Fomos munidos de tudo, croquis de estradas, de vias de escalada, de pacotes de bolacha para a viagem e de contatos com o pessoal montanhista da região, que fica a 100 km de Porto Alegre.

Agora que estou aqui, confortavelmente digitando este texto no computador posso dizer que tinha lá minhas reservas com o tal basalto, rocha que sempre me pareceu pouco sólida, pelas minhas experiências um pouco assustadoras nos cânions do Paraná, ou nos poucos locais onde algo semelhante aparecia nas montanhas paranaenses (diabásio), ou mesmo porque a lembrança que eu tinha guardado daquela remota visita de 1989 aos cânions gaúchos era muito fugaz pra me servir de referência.

Mas já estávamos a caminho, não dava mais para enrolar, até o meteograma dava tempo bom para a região, os bugios ainda não estavam roncando, então fomos…

A geada clareava os campos da região da Campanha Gaúcha. Depois de algumas horas de viagem o trânsito de Porto Alegre fluía pelos viadutos em direção à Serra Gaúcha. O Pico da Canastra só aparece praticamente no final deste trajeto todo, uma bela torre de basalto destacada do planalto por algum movimento tectônico. Só há acesso a partir de alguma escalada, um território, portanto, exclusivo para escaladores.

No fim deste primeiro dia de viagem, aproveitamos o resto do dia e fazemos um recorrido pelas bases das paredes. Aparecem alguns trechos de trilha frequentados, outros abandonados, mas com marcações ainda visíveis. Aqui e acolá grampos ou chapas marcando escaladas ou projetos. As paredes não são grandes, mas há umidade e vegetação abundante, bambus aos montes para se enroscar, um pequeno Marumbi, penso, de basalto.

Bem, no dia seguinte lá vamos nós experimentar o tal basalto da serra gaúcha, a aderência suspeita, a umidade resvaladiça, as fendas arredondadas, as pedras soltas. Eu me encordo para guiar, Miriam descola um local para produzir fotos privilegiadas e fica procurando Wally na parede com a lente zoom, Fabrício brinca de gato e rato com o Haul Bag, o Raul.

Fazemos a via normal, uma linha clássica, de baixa dificuldade, mas a tática que usamos em Córdoba de levar os equipamentos móveis mostra seu valor. Aqui e ali uma variante em uma fenda mais resistente, uma experimentação aqui, outra ali. O Pico da Canastra apresenta patamares, ou “degraus” e no último é onde, já descontraídos depois de fazer o cume, podemos voltar para passear mais com os móveis com mais liberdade, a ponto de entrar em outras paredes deste degrau e começar a sentir mais a dificuldade técnica do basalto.

À noite, o termômetro abaixo de zero, o calor do fogão à lenha, pinhões de aperitivo e uma comida suculenta. Aconchego e boas conversas com o pessoal do Refúgio da Canastra, onde somos bem recebidos.

No dia seguinte fazemos outra via, ou eu diria, um mix de vias na Canastra, uma mistura que envolve grampos, chapas, móveis, variantes aqui e ali, pelos caminhos que simplesmente nos pareciam mais atraentes. A dificuldade da escalada aumenta, 5o, 6o, 7o, mas também a beleza da parede e para mim, a sensação de finalmente estar em paz com o basalto, meus medos finalmente indo embora.

Destes dias no Pico da Canastra ficaram as lembranças das cores magníficas dos pores do sol, do frio que estimula à ação, da liberdade de ir e vir pela pedra, algo tão caro e, por vezes tão raro.

P1190843via no Pico da Canastra serra gaúcha

 

 

 

 

 

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