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Archive for maio \27\+00:00 2011

(Reflexões sobre a vida e sobre o fim dela) 

Por Edson Struminski (Du Bois) 

Borboletas sempre enchem meus olhos. Quando ando pelas montanhas ou florestas sempre encontro algumas em bando. Algumas vezes tem cores metálicas brilhantes, ou desenhos arrebatadores. São pequenos e belos animais, de tal modo que muita gente resiste a considerá-las como insetos, pois pouco lembram de formigas, escaravelhos ou vespas, seus parentes distantes e menos agradáveis.

Borboletas, todos sabem, tem uma vida fugaz, pelo menos aos nossos olhos, coisas de dias, segundo me consta. De qualquer modo, a duração de vida delas é apenas uma analogia sobre o que irei falar adiante. Pois a nossa vida diante da vida de um jequitibá (1.000, ou 2.000 anos) também se assemelha a vida de uma borboleta. Estamos, digamos, borboleteando na frente de uma árvore desta.

O fato é que a borboleta é muito associada com a juventude feminina, que é uma fase efêmera, geralmente bonita, em que as garotas “andam em bando”, por assim dizer, como borboletas. Muitas garotas, inclusive, usam adereços como brincos, prendedores de cabelo ou tiaras com formas de borboleta.

A voz do instinto 

É um pouco estranho usar a vida breve da borboleta para falar de um acontecimento que me perturbou e preocupou muito (e, de certa forma, ainda perturba), mas talvez seja uma forma delicada de falar sobre assuntos tabus na nossa sociedade, como morte, suicídio, etc e também para me livrar do peso que estou sentindo.

O fato é que estava escalando em solitário em alguns dos setores que existem aqui no rio São Jorge, em Ponta Grossa. Lá pelas tantas, senti algo perturbador, senti que havia um risco eminente em algum lugar. Vocês podem chamar isto do nome que quiserem, mensagem do além, comunicação do anjo da guarda, eu chamo apenas de instinto.

O instinto havia me avisado de algo.  Sob muitos aspectos o cânion daquele rio é tão ou mais perigoso que uma montanha: paredes altas, pedras úmidas, rio nervoso, pessoas bebendo, pessoas com roupas ou calçados inadequados a beira dos abismos, pessoas fazendo brincadeiras bestas e assim por diante.

Naquele dia em que eu estava no São Jorge tinha visto pouca gente, pela manhã apenas um casal no alto da pedra e foi só. De tarde fui escalar no setor embaixo do teto ao lado da cachoeira. Avistei um grupo barulhento acima de mim, depois desceram para passear embaixo, na hora em que eu estava indo embora.

Apareceu um conhecido no grupo, com quem eu fiquei conversando. O grupo veio voltando também. Todos alegres, barulhentos. Pararam em um lugar ensolarado. Bati fotos deles e depois subi em uma pedra fácil das proximidades, mas muito alta,  para fotografar o grupo todo de um ângulo melhor, mas continuava sentindo algo estranho no ar, um sinal de perigo.

Uma das garotas resolveu subir na mesma pedra onde estava, o que não me agradou. Vi os esforços dela, dei uma orientada.

Com o canto dos olhos vi descendo um casal na direção à base da cachoeira, depois uma moça jovem e sozinha. Enquanto isto a garota conseguiu se arrastar para cima da pedra onde eu estava, com muito custo, o que não me deixou tranquilo, pois o lugar é muito alto para brincadeiras. A moça jovem que tinha ido até a cachoeira voltou para cima e o outro casal que eu tinha visto ficou lá embaixo, depois subiu também. Eu resolvi descer e ir até minha mochila, pois a sensação de coisa ruim iminente não cessou e queria estar perto do meu equipo se fosse necessário.

Convoquei um dos rapazes para dar assistência para a garota que queria descer da pedra, esperei até as coisas ganharem um rumo seguro e subi até o alto das pedras, onde a gente avista o salto. Afinal por que o instinto tinha me enganado?

A borboleta em cima da pedra 

Lá em cima da pedra, a uns 10 passos do abismo estava sentada a tal moça jovem, que eu havia visto anteriormente, sozinha, fumando um cigarro e bebendo bem devagar uma cerveja. Olhei rapidamente para ela, era muito jovem e bonita, mas tinha um olhar muito angustiado. A visão dela me lembrava aquela clássica cena de cinema do condenado que pede um último cigarro, uma última cerveja. Isto me perturbou e me deixou incomodado.

O grupão de baixo subiu e ela ficou por ali, o que me preocupou mais ainda, pois algo na cena não combinava, além do que tinha o instinto…, borboletas não ficam sozinhas em cima das pedras.

Estava cansado do dia de escalada, mas acabei sentando para conversar e percebi muita revolta nas palavras daquela jovem. Revolta contra o mundo, por assim dizer, mas vi que ela era uma pessoa inteligente e tratei de conduzir a conversa por aí, explorando a inteligência dela e os aspectos da conversa para tentar entender o mundo dela, o motivo dela estar ali, naquele lugar que ela mesma admitia que causava medo nela.

Ela falou em solidão, um sentimento que eu associo mais a pessoas da minha idade e que sempre penso que não está muito associado a jovens da idade dela, a não ser que sejam muito desajustados. Pensei, na verdade, que fosse um briga de namorados e que ela estava curtindo uma distância necessária, mas parecia que existia algo mais duro que isto. Em alguns momentos as palavras dela se auto depreciavam, desvalorizando a própria vida, o que me assustou um pouco, considerando os tais 10 passos do abismo onde a gente se encontrava…

Estas palavras me alertaram para a necessidade de tentar recuperar um pouco da auto estima dela. Esta estratégia pareceu dar uma serenada no espírito daquela jovem.

A partir daí conversamos coisas um pouco mais amenas, falou que tinha 19 anos e recém tinha feito tirado a carteira de motorista, que estava fazendo cursinho, que já tinha ido ali ao São Jorge umas 10 vezes. Mas era uma conversa desconexa, fragmentada. Eu disse que estava escalando ali, ela disse que tinha medo de altura (mas estava sozinha em cima de uma pedra consideravelmente alta!). Fui conduzindo a conversa para temas neutros, filosóficos, pois a jovem não arredava pé daquele lugar perigoso e a cerveja dela continuava pela metade.

Estava vivendo uma situação paradoxal. Aquela moça não rejeitava minha presença, nem tampouco me estimulava a estar perto dela. Havia algo tênue que a mantinha ali, uma espécie de asas de borboleta se preparando para bater e voar. Mas eu me sentia na obrigação de esperar pacientemente, de fazer uma vigília naquele instante, como se fosse uma vigília pela vida dela.

Depois de um bom tempo, em uma destes momentos em que ela desconectou, eu aproveitei e vi que ela estava com frio, uma sensação bem humana e a convidei para ir até o estacionamento, um local sem vento e onde ainda tinha sol. Ela concordou, o que gerou um certo alívio em mim.

Depois que ela foi ao banheiro, o que também foi um sinal de uma necessidade bem humana, sentamos no sol e perguntei do motivo da tristeza que eu via nela. Foi somente aí que eu soube que a mãe dela tinha morrido há 3 semanas. Ela estava inconformada, me disse que a mãe poderia estar em qualquer lugar, até ali. Também me disse que trocaria a vida dela pela da mãe e coisas deste tipo, com muito revolta. Um duro ensinamento de amadurecimento.

A vida após a vida 

Como uma espécie de retribuição pelo fato de ter sobrevivido a todas as escaladas que eu fiz, ao fato de ter passado ileso em locais incrivelmente perigosos nos últimos trinta e tantos anos e ter voltado para casa incólume quando deveria ter ficado para sempre na montanha, eu sinto que todo ano devo um pagamento na forma de salvar a vida de uma ou mais pessoas, algumas conhecidas, muitas desconhecidas. Todo ano isto acontece e estranhamente não tinha acontecido até agora, estava tranquilo e despreocupado, até o momento em que meu instinto começou a emitir sinais de alerta.

Minha mãe morreu nos meus braços a caminho do hospital, então disse algumas coisas para esta jovem, tinha algo a dizer sobre esta experiência humana que tínhamos em comum. Com isto ela parou para pensar um pouco, se acalmou. Depois levantou e disse que estava com fome, não tinha almoçado, o que para mim foi um bom sinal, pois se uma pessoa tem fome, frio, etc, é sinal que tem preocupações mundanas, ainda está ligada ao mundo. Imaginei que ela não ia querer voltar e tentar tomar um atalho para o fim das angústias dela, dar dez passos em direção a um abismo. Depois disto ela foi embora para a cidade.

Esta experiência foi muito perturbadora. Confesso que eu não estava preparado para esta situação, o que me deu certo embrulho no estômago depois, pois imaginei a situação do pai dela se recebesse mais uma notícia ruim.

Mais tarde refleti sobre a solidão de que ela havia falado. Da solidão que temos em nossas vidas. Da solidão que me abate às vezes. De como realmente é fácil e cômodo para nós não nos importarmos, abandonarmos as pessoas. Em cima da cachoeira tive de me manter ao lado desta jovem apenas por solidariedade, nem sequer por amizade, pois não chegamos a nos conhecer. Talvez ela não tivesse ainda cabeça para suportar a solidão de que falava e as consequências poderiam ter sido tristes. Uma vida breve de borboleta. “Às vezes é preciso ser apenas solidário”, pensei.

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Edson Struminski (Du Bois)

Eu não ia me envolver nas discussões sobre a revisão do Código Florestal, pois elas me lembram da existência dos atrasos que ainda teimam em existir no nosso país, como os  emperros da reforma agrária, os resquícios de escravidão em rincões do país, ou aqueles métodos de exploração da natureza do século XIX que ainda são usados em pleno século XXI, como latifundios pouco produtivos, queimadas, exploração mineral toscas ou fornos de carvão, imagens que se contrapõem ao agronegócio moderno, à tecnologia e a ciência no meio rural, à sustentabilidade ambiental e a um país moderno, enfim.

Como isto são resquícios do passado e a sociedade se democratizou apenas recentemente, é de se esperar que a reforma deste código aconteça, mas ela tem sido marcada por pressões e radicalismos nem sempre produtivos e pelo passado…

Estes temas são sempre cansativos, mas o fato é que, como vocês verão neste artigo, alguns dos principais personagens envolvidos na votação das mudanças nesta lei florestal me trouxeram involuntariamente para este debate, então tornou-se necessário uma apreciação minha sobre este assunto.

Neste momento, maio de 2011, estão ocorrendo vários enfrentamentos para a votação do Código Florestal. Dias em que ambientalistas, ruralistas, cientistas, governistas, oposicionistas, estão todos estressados com a lei mater de nosso meio ambiente e até mesmo fazem barganhas com o futuro do país.

As leis florestais são antigas no Brasil, o termo “madeira de lei” significa isto mesmo, algumas madeiras provenientes de árvores, que por uma lei portuguesa do tempo da colônia, necessitavam de uma espécie de “licença para corte”, pois tinham interesse para a Metrópole portuguesa. Estas leis na colônia tinham o objetivo de conter o contrabando e evitar o desabastecimento de um produto que era considerado estratégico na época, as madeiras de alta qualidade para fins naval e que, portanto, tinham alto valor comercial.

Mas estas leis não foram satisfatórias. No início do século XIX, por conta de um modelo predatório de colonização com mais de 300 anos, já era possível ver o resultado. Cientistas e estadistas como José Bonifácio de Andrada e Silva já notavam que a destruição do meio natural estava gerando repercussões sociais muito amplas, com a desagregação das comunidades, pela desorganização das atividades produtivas e da vida civil, que, na visão dele, requereriam estabilidade territorial e demográfica, com isto a conservação das florestas era um assunto recorrente para ele, que chegou a escrever sobre este tema analisando tanto a situação de Portugal como a brasileira.

Na época da independência do país, ele propôs novos regulamentos e uma administração fundamentada em conhecimentos científicos e na experiência, algo que na prática levaria ainda mais de 100 anos para ter uma chance de acontecer. Ela propunha um discurso novo, de proteção dos recursos naturais do país, que considerava como trunfo do Brasil para seu progresso futuro, o que passaria pela superação, entre outras coisas, do modelo agrícola colonial latifundiário, monocultural e predatório.

Mas com isto ele se chocou diretamente com o pensamento conservador predominante, tanto em Portugal como no Brasil, tendo de enfrentar oposições e resistências a seus projetos, que batiam de frente contra traficantes de escravos e proprietários rurais que eram a base das fortunas e do poder conservador da própria monarquia brasileira.

Esta história, que contei aqui de forma reduzida foi publicada com um pouco mais de detalhes em um artigo que publiquei, em 2007, no jornal eletrônico Ciência Hoje, de Portugal (1), a partir de textos do próprio Bonifácio.

Ao longo do tempo outras leis foram surgindo. Cheguei a fazer um apanhado delas no meu primeiro livro: “O que é engenharia florestal” (2).

O fato é que Bonifácio foi derrotado e apenas quando já ia longe a república é que viria uma legislação mais integrada para a área florestal. Em 1934 surgiu uma primeira consolidação de leis florestais dispersas. Foi fruto do esforços de juristas durante o período Vargas.

O Código Florestal da Era Vargas era muito mais uma lei oportunista do que qualquer coisa. Excessivamente liberal, ele corria atrás da oportunidade do surgimento de um mercado para a madeira brasileira, em particular do pinheiro do Paraná e ignorava, ou pior ainda, lamentava, a existência da biodiversidade brasileira, fazendo vista grossa para o desmatamento que já ocorria no país. Mesmo assim ela implantou inovações como parques nacionais e um serviço florestal nacional. Também esta história está contada em um artigo da Ciência Hoje (3).

O fato é que estes artigos da Ciência Hoje de Portugal, que eu classifico como sendo de história ambiental de nosso país tem tido os destinos mais variados. Já vi migrarem para um site de psicologia, de educação, de sociologia, de história ou mesmo para o site da embaixada de Portugal.

Um dos locais para onde artigos meus migraram, como este do código de Vargas, foi o blog de Ciro Siqueira, um engenheiro agrônomo que milita em seu blog para que deixem de existir Reservas Legais em propriedades privadas. Ele costuma juntar argumentos para mostrar que as leis florestais não funcionam, o que é apenas parcialmente verdade, pois praticamente todas foram feitas de forma autoritária e hoje estamos em uma democracia, momento em que as leis tem maiores chances de serem aplicadas e funcionarem.

Infelizmente Ciro parece ser do tipo destemperado, assim algumas das suas opiniões, até razoáveis, pois o código já tem quase 50 anos, são empalidecidas por opiniões destemperadas. Ele costuma escrever coisas do tipo: “os idiotas úteis do ambientalismo cibernético estão hoje alvoroçados com a notícia de que a Academia Brasileira de Ciência (ABCD) e a Sociedade Brasileira para a Preservação dos Paradigmas (SBPC) lançarão em breve um libelo contra a modernização do Código Florestal”. Mas o que se vê no tal relatório destas entidades é o resultado de um debate e até mesmo uma proposta de revisão, com viés científico, mas não estanque.

Com isto, cientistas são para ele: alheios à realidade nacional, já o Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente, aparece como estando impregnado de ambientalistas, já os orgãos ambientais são ridicularizados, até quando fazem justamente o que ele criticava, aplicam a lei. Tudo isto, infelizmente desvaloriza o esforço deste profissional e o coloca em uma posição tão radical quanto os radicais que ele critica.

Finalmente, a posição oficial dele é a de que apenas o Estado deve ser responsável pelas reservas florestais, pois ele considera que a função social da propriedade rural é produzir alimentos. Assim, segundo ele, caso haja propriedades em regiões ecologicamente importantes onde a preservação conflita com a produção (?), não deveriam haver produtores nessa região e o Estado deveria removê-los completamente. Lamentavelmente esta é a principal falha do raciocínio deste autor e a mais danosa ao meio rural. Pois é uma ação extremamente contraditória, custosa e desarticuladora para o meio rural. Imagine-se o ônus (impostos, novo funcionalismo público, estatais) e redirecionamento de recursos com que toda a sociedade, principalmente a que ocupa o meio rural, teria de arcar para atender a esta proposta. O Estado se tornaria imensamente mais invasivo do já é hoje, sem considerar outras formas de desapropriação que já existem e que continuariam a existir (reforma agrária, unidades de conservação, construções de represas, estradas, etc), pois a biodiversidade ambiental do país é imensa e imensos teriam de ser os esforços estatais para preservá-la, no lugar da forma como é hoje, em que o estado preserva algumas áreas e o proprietário privado outras e com isto surgem reservas públicas e privadas e “corredores” entre estas reservas. Enfim, aparentemente sem perceber, Ciro dá um tiro no pé das próprias ideias.

O outro personagem ligado ao debate do código e que usa um texto meu como fonte de inspiração sobre José Bonifácio é o próprio deputado Aldo Rebelo (5), relator do projeto de mudança do Código Florestal. O projeto de Aldo é um grande arrazoado sobre o meio rural, com um tanto de saudosismo sobre o homem do campo, misturado com pitadas de nacionalismo, marxismo e até teoria da conspiração, mas tem poucos fundamentos técnicos para mudanças na lei, daí entende-se a vasta polêmica que suscitou. Ao contrário da visão de estadista de Bonifácio, preocupado com a implantação de uma visão integrada homem-natureza em nosso país, o projeto de Aldo tenta nos ganhar pela visão conservadora, defensiva e muito unilateral do meio rural, o que não seria tão problemático se a sociedade brasileira inteira, aliás o mundo inteiro não fosse afetado pela construção de uma nova lei falha.

A parte mais substancial do relatório de Aldo Rebelo diz respeito a opinião de alguns poucos juristas e cientistas. Ali aparecem ideias pouco exploradas e que deveriam merecer, sim, maiores atenções, como o zoneamento ecológico-econômico e as peculiaridades regionais, o que poderia beneficiar tanto a produção quanto a conservação. Isto simplificaria e tornaria a discussão estritamente com base naquilo que interessa a cada região.

Mas isto não acontece e assim Aldo Rebelo fica longe do estadista José Bonifácio. O seu projeto deseduca, pois os estímulos à conservação e bom uso da natureza do país são pobres em relação aos danos que ficarão com a implantação da nova lei.  Os principais beneficiários, anistiados da lei atual, serão provavelmente os donos de grandes áreas desmatadas, como aquelas que vi na minha última visita à Amazônia (6), ironicamente os personagens que estavam sendo pressionados pelo Estado e pela lei atual e que os partidos com um viés social mais acentuado, como o partido de Aldo, sempre combateram.

 Leia mais em:

 (1)    http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=24048&op=all

(2)    Struminski, E. O que é engenharia florestal. Editora Brasiliense

(3)    http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=22081&op=all

(4)    http://www.codigoflorestal.com/p/posicao-oficial-do-blogger.html

(5)    http://www.aldorebelo.com.br/?pagina=inspiracao&cod_tema=21

(6) https://blogdodubois.wordpress.com/2009/07/09/cartas-amazonicas-3/

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Por Edson Struminski (Du Bois) 

Poucos de nós sabem o que é uma Floresta Nacional. O fato é que o SNUC, Sistema Nacional de Unidades de Conservação contempla uma forma de unidade de conservação que permite um uso direto, ou seja, a entidade que a mantém (governo federal) pode explorar seus recursos naturais de modo a obter recursos financeiros. No caso da Flona é a madeira.

Então este deveria ser o caso da Floresta Nacional de Irati. Com quase 3.500 ha, esta flona é composta por antigas fazendas que foram repassadas para o governo federal (Instituto Nacional do Pinho, depois Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, IBDF, depois IBAMA  e atualmente ICMBio) a título de pagamento de dívidas em 1946. A partir daquele ano, pinheiros paranaenses foram plantados visando a reposição florestal e também a produção de madeira futura. Nós montanhistas temos uma pequena ligação com este lugar, pois um dos personagens que trabalhou no plantio destas árvores foi Erwin Gröger, o professor, um austríaco que foi um dos primeiros montanhistas que aportou no Paraná. Nos anos 1960 várias outras espécies, exóticas na maioria, como Pinus, Cunningamia, Grevilea, Eucalipto, também começaram a ser testadas na Flona de Irati com o intuito de experimentação científica para fins de produção florestal.

Juntando os reflorestamentos de pinheiros mais exóticas temos mais de 1.300 ha. As que foram bem sucedidas ganharam um destino comercial, servindo para apoiar a produção de madeira que hoje existe no Paraná. Existem ainda mais de 1.200 ha de florestas de pinheiros nativas que foram exploradas no passado e que hoje estão se recuperando. Um abrigo inestimável para a fauna da região, a qual ainda é motivo de cobiça dos caçadores.

Passadas décadas após o plantio destas árvores, uma pequena fortuna se fez na região. Algo como 33 milhões de reais em madeira ainda em pé. Mas como quase tudo que diz respeito a meio ambiente, nos últimos governos federais e no atual, a flona vive uma situação quase mendicante. Poucos funcionários, poucos recursos, empréstimos de pessoal e doação de gasolina das prefeituras locais (que recebem ICMS ecológico, ou seja, um recurso a mais do governo estadual e não do federal, pela presença da flona).

Apesar dos recursos escassos, é com certo alívio que é possível perceber que algum tipo de manejo acontece neste lugar, não é, portanto, uma área abandonada. A principal preocupação dos administradores é com a possibilidade de incêndios. Com isto, estradas e aceiros são mantidos e regularmente cursos e treinamentos para combate são feitos com brigadistas.

Andando pela Flona de Irati

Na Flona existem algumas casas de madeira dos anos 40, da época em que esta área era uma fazenda particular de plantação de madeira. Um escritório, galpões, uma vila operária, uma pequena igreja e também uma enorme chaminé de tijolos de uma antiga serraria, nos remetem a um tempo passado onde a vida das pessoas girava em torno da exploração florestal. Estas construções foram, na maioria mantidas, tem valor histórico e servem para alguns usos na flona, como centro de visitantes, casa dos brigadistas, escritório da flona.

Acabo conhecendo a Flona de Irati por conta de uma aula de campo da disciplina de biogeografia do curso de geografia da UEPG. Junto com o professor da disciplina, de uma aluna do mestrado e de mais 15 alunos da graduação, somos bem recebidos pelos funcionários da flona, visitamos a sede do parque e depois fazemos a Trilha do Angico, uma antiga estrada de exploração abandonada que nos leva, em cerca de uma hora, até alguns exemplares enormes destas árvores, perdidos no meio da floresta. Um passeio agradável e bonito, mas não muito indicado para urbanóides, pois a trilha tem pouca manutenção e aparecem obstáculos no caminho, como árvores caídas e pequenos banhados,  com os quais os alunos tem de lidar.

Ao andar pela Flona é possível perceber que, nos dias atuais, esta unidade de conservação enfrenta um dilema. A devastação florestal foi tão gigantesca no Paraná, em tempos passados e as reservas naturais se tornaram tão escassas, que as que sobraram como as da Flona de Irati acabaram assumindo um valor científico e educacional (que já era previsto), mas principalmente um valor ambiental, ou até mesmo uma conotação turística não previstos inicialmente. Por outro lado, já não faz mais sentido pensar em plantar pinheiros brasileiros para fins comerciais, apenas para recuperação da floresta. Na verdade, a proibição para corte de espécies nativas é praticamente total, embora seja possível para as espécies exóticas, o que daria os tais milhões de que falei no início. Caso elas fossem cortadas um tanto todo ano, poderiam manter praticamente esta Flona pelo resto da vida.

Mas os ambientalistas argumentam que as áreas que sobraram, como os antigos plantios de pinheiro e de exóticas, deveriam ser conservados ou convertidos para florestas naturais secundárias, de tal modo que hipoteticamente em algum dia, no futuro, teríamos uma grande floresta com pinheiros com várias dezenas de anos. Mas seria uma floresta pobre, pobre de recursos, é claro, mais até do que hoje, pois os reflorestamentos que hoje lá estão representam alguma forma de recurso que, apesar de não inteiramente disponível, significa uma riqueza, que espera-se algum dia, possa reverter para este lugar e não, simplesmente, vá engordar o grande cofre genérico do governo federal.

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