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Archive for fevereiro \28\+00:00 2008

Silêncio e solidão

 Edson Struminski (Du Bois) 

Muitas pessoas me perguntam a respeito de viver nas montanhas, algo que faço já a 15 anos. Se o silêncio e a solidão das montanhas deprimem, incomodam ou trazem algum tipo de malefício. Uma pessoa a quem estou aprendendo a gostar também se mostrou curiosa (talvez preocupada?) a respeito da solidão que eventualmente eu sentiria em morar, digamos, isolado do mundo.

Percebo que nossa cultura ocidental tem dificuldade em lidar com o silêncio e a solidão. No mundo oriental aparentemente esta dificuldade é menor. A cultura oriental valoriza o silêncio como pressuposto para um processo meditativo e a solidão pode ser encarada como momento para um crescimento espiritual. Nada disto exclui, me parece, o convívio humano. Aliás, solidão, como se sabe, não é um mérito do isolamento social. Muitas pessoas são solitárias mesmo vivendo em ambientes com grandes aglomerações humanas.

A solidão não é, portanto, um componente exclusivo de quem vive afastado do convívio social. Neste sentido, me parece, se você opta conscientemente em viver mais isolado da sociedade, não necessariamente a solidão lhe parecerá negativa. Talvez até ao contrário, será um momento para uma concentração mental não só do tipo espiritual como disse no início, própria de monges e religiosos, mas também intelectual, eventualmente filosófico, como Henry Thoreau fez no século XIX ao viver no meio dos bosques norte-americanos, com o intuito de criar uma cultura original, não europeizada para seu país.

Thoreau repudiava a sociedade burguesa e confiava na força do seu individualismo para se livrar dos seus vínculos comunitários e a partir daí elaborar sua cultura refinada (naturalismo, desobediência civil) que finalmente concedeu para o resto da sociedade na forma de alguns livros (1).

O isolamento pode ser também do tipo racional, como aquele necessário para produzir um trabalho científico altamente exigente. Se você for uma pessoa com formação em ciências naturais (biologia, geologia, geografia), provavelmente ocupará seu tempo conhecendo e manejando o ambiente onde vive, realizando transformações que possam ser benéficas para a natureza.

Nada disto exclui, na verdade, a sociedade. Jacques Barzun comenta (2) que mesmo Thoreau levou a civilização consigo para sobreviver na floresta: roupas, sementes, pregos, madeira, produtos de um esforço social. Assim também é comigo. Para sobreviver tenho que ter o convívio social, embora, imagino, ele seja mais seletivo do que acontece com a maioria das pessoas.

No mundo da montanha, o guia da cordada e o escalador solitário (com corda) ou em solo (sem corda) também convivem momentaneamente com a solidão. A solidão de ter de tomar decisões importantes sozinho e sofrer as consequências delas. Algumas, no caso do escalador solo, com graves implicações até para a sobrevivência dele. Já fiz muitas escaladas em solo ou em solitário e sobrevivi. Isto significa que esta modalidade de solidão também não foi prejudicial para mim pois aguçou minha concentração naquilo que era realmente importante, ou, ao menos, não deixou sequelas de nenhum tipo que fizessem com que eu lamentasse minhas decisões. 

O mérito do silêncio 

Já o silêncio é sim um  mérito dos ambientes naturais onde vivo. Mas que silêncio é este? O vento bate nas árvores. Ao longo do dia posso escutar vários pássaros. O rio no fundo da minha casa nasce na montanha e nunca vi ele deixar de correr e fazer seu ruído característico. Os mosquetões tilintam quando escalo. Pode-se dizer então que este “silêncio” das montanhas é um contraponto à cacofonia da civilização, particularmente daquela estressadamente urbana. Mas mesmo que esta imagem que passei para vocês pareça agradável, assim como a solidão, as pessoas tem dificuldades de conviver com o silêncio, com este tipo de silêncio que descrevi. Já nascem em um ambiente ruidoso e cercam-se de máquinas particularmente barulhentas. Talvez a dificuldade aí esteja em escutar a chamada “voz interior”, que costuma aparecer comumente para as pessoas apenas quando, digamos, acaba a energia elétrica e todas as possibilidades de se controlar a produção de ruídos externos. Talvez o medo de escutar esta voz incomode as pessoas. Os sons e ruídos seriam, assim, uma forma da abafar esta voz, ou de pelo menos fazer com que ela seja menos escutada.

É provável que eu tenha que conviver com minha voz interior com mais frequência que a maioria das pessoas. Talvez isto me torne melhor que os outros, talvez não. Como o convívio social para mim é um pouco mais raro, me parece que isto tem me tornado um pouco mais tolerante com as pessoas. Assim, o fato é que para mim o silêncio simplesmente é benéfico.  

Leia ainda: 

(1) http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2249

(2) BARZUN, J. Da alvorada à decadência, a história da cultura ocidental de 1500 aos nossos dias. Rio de Janeiro: Campus, 2002

  

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Edson Struminski (Du Bois) 

A trilha do morro do Canal é um trajeto usado por montanhistas há muitos anos nesta montanha situada no fim da Serra do Marumbi. O pessoal da Associação Caiguava de Pesquisas faz parte do “Adote uma Montanha” e tem desenvolvido um trabalho profícuo de manutenção de trilhas nas montanhas desta região há alguns anos. Reconheço algumas originalidades muito interessantes neste trabalho como a construção de mini-pontes de madeira que transpõem buracos e também vi trabalhos inspirados em coisas que foram feitas no Anhangava e no Marumbi, como contenções de erosão com pedras e tábuas de madeira e degraus de ferro.

O Canal deve ter sofrido um tipo de incêndio forte e devastador há cerca de 30 ou 40 anos atrás. Os solos que sustentam a vegetação desta montanha são pobres e a recuperação é muito lenta. Espécies oportunistas como samambaias e bambus (até onde eu percebi são 4 espécies diferentes) ocuparam os espaços de luz disponíveis e apenas muito lentamente as árvores conseguem furar o bloqueio e buscar uma luz mais alto, acima dos bambus.

O que começamos a fazer no morro do Canal agora, tem algo destes trabalhos anteriores, mas também traz uma abordagem totalmente nova em se tratando de trilhas em montanha. Uma revolução em termos de ecologia de trilhas, se é que posso usar esta imagem.

De fato, é possível que muitos de vocês que eventualmente venham a andar nesta trilha agora, acabem ficando até mesmo chocados com o fato de que a trilha do morro do Canal está hoje aparentemente muito mais “aberta” do que o normal, ou pelo menos do que era conhecido como normal até o momento, ou seja, uma trilha com grande quantidade de vegetação que chegava mesmo a dificultar os movimentos.

Esta vegetação está sendo retirada das margens da trilha. Não toda a vegetação esclareça-se, apenas aquela que tem caráter oportunista e costuma gerar uma serrapilheira (resíduos vegetais) altamente inflamáveis e portanto com alto potencial para ocasionar incêndios.

Este trabalho tem nos trazido impressões surpreendentes. É comum estarmos executando o trabalho de corte de bambus e nos defrontarmos com uma muda de uma árvore importante, digamos uma canela  ou uma erva-mate, típicas deste ambiente de Floresta Atlântica e esta muda estar totalmente deformada pela falta de luz. Neste momento acabamos realizando um trato cultural qualquer (poda de galhos, escoramento) que provavelmente deverá ter resultados benéficos rápidos para esta árvore.

Na verdade estamos iniciando na beira da trilha um trabalho que deverá se refletir, cada vez mais, nos próximos anos neste lugar. Uma florestinha deverá ir gradativamente tomando o lugar do bambuzal e um “túnel de árvores” deverá ir acompanhando o excursionista montanha acima. Claro que o ideal seria não apenas ter uma estrutura, por assim dizer, artificial relacionada à vegetação, ou seja este túnel para as pessoas passarem. Mas no momento a trilha apresenta uma situação com efeito de borda muito acentuado. Se a gente conseguir inibir a ocorrência de incêndios nesta borda, a futura floresta, como um todo, desta montanha, irá se beneficiar.

A trilha do morro do Canal é bastante declivosa (em torno de 45o de inclinação). Trabalhos de calçamento começarão a ser feitos e este trajeto se tornará mais seguro e confortável, ou seja, dentro de certos parâmetros usuais em trilhas de alto tráfego.

Também devo dizer que sinto um enorme respeito pelos meus parceiros de trabalho nesta tarefa, todos montanhistas: Pajé e Fábio, moradores do morro do Canal, Tomi, meu vizinho aqui do morro do Anhangava e Daniel Lange, que adotou o Canal como segunda casa. Eles não só entenderam o espírito do trabalho como abraçaram a causa de recuperação desta trilha em particular (também trabalharam na trilha da Chaminé), como uma causa do montanhismo paranaense e em prol de uma montanha paranaense e não apenas como mais um trabalho remunerado a ser executado em um lugar difícil.

Andar com montanhistas executando um trabalho destes representa uma garantia de bons momentos. Vez por outra uma pausa para um mate ou para ver um boulder novo que alguém descobriu. Apreciar a abertura da paisagem ou usar a imaginação para fazer uma simulação da floresta futura.   

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Edson Struminski (Du Bois) 

Páginas dos Mananciais da Serra são posts que irão acompanhar o andamento de um inédito  projeto de recuperação de trilhas que começa a ser realizado na Serra da Melança, em Piraquara – Pr.

Localizada a poucos quilômetros de áreas densamente urbanizadas, a região montanhosa dos Mananciais da Serra, apresenta-se privilegiada por belezas naturais, por uma  rica biodiversidade (trata-se de uma zona de transição entre a Floresta Atlântica e a Floresta de pinheirais) e pela qualidade de seus mananciais hídricos, que tornou esta região, desde princípios do século XX, ponto de coleta para abastecer a cidade de Curitiba, capital paranaense. De fato, em 2008 completam-se 100 anos da captação de água nos Mananciais da Serra. Há todo um rico acervo histórico, nesta região, sobre esta captação centenária.

No início deste século, novas demandas surgiram para esta região. A beleza natural local, vem atraindo cada vez mais visitantes para estas montanhas em busca de belas paisagens e oportunidades de lazer. Entre os locais mais procurados estão trilhas no morro do Canal, estradas abandonadas em torno da represa Piraquara 1 e a antiga estrada do Carvalho, que leva até as primitivas captações de água.

O lugar tem potencial para caminhadas, escaladas, pesca e interpretação da natureza, mas suas trilhas já estavam apresentando sinais de que suas capacidades de suporte estavam próximas dos limites, podendo prejudicar a qualidade da visitação e a segurança dos visitantes. Um levantamento que realizamos em 2006(1) mostrou que existiam problemas de degradação ambiental, como erosões, deslizamentos, risco de incêndios, morte da vegetação e assoreamento de corpos d´água. 

O Projeto de Recuperação de Trilhas dos Mananciais da Serra 

Assim como ocorreu em outros locais turísticos naturais da Região Metropolitana de Curitiba, que começaram a sofrer com os mesmos problemas, nos Mananciais da Serra, estarão sendo feitos trabalhos com o objetivo de manter a qualidade da visitação, mas principalmente, de aumentar a capacidade de suporte (inclusive com ganhos ambientais) dos ambientes naturais existentes ao longo de 4 trilhas existentes na região.

Estes trabalhos baseiam-se no que está sendo chamado aqui de “ecologia de trilhas”(2), a interação entres seres vivos e o ambiente particular das trilhas e que envolve processos abióticos de dinâmica de vertentes (drenagem e controle de erosão) e bióticos (manejo de vegetação da borda), particularizados para as trilhas.

Os primeiros estudos sobre este assunto ocorreram pioneiramente no morro Anhangava (Quatro Barras), local similar aos Mananciais da Serra, a partir da década de 1990(3). Estes estudos, dos quais participei diretamente, acompanharam processos de instabilidade ambiental, como incêndios e seu controle e o manejo de trilhas naquela região(4). Também no Parque Estadual Pico do Marumbi, contíguo à região dos mananciais, realizei estudos(5) que indicaram áreas de instabilidade ambiental em trilhas, associados a movimentos de massa e a áreas sob risco de incêndios florestais. Hoje existem vários pesquisadores/montanhistas realizando estudos em trilhas na região serrana da Região Metropolitana de Curitiba. Pessoalmente estou orientando formal ou informalmente três pessoas.

Como comentei anteriormente, no caso das trilhas existentes nos Mananciais da Serra, foi inicialmente realizado um cuidadoso levantamento das características e problemas(1), em uma área sugerida pela Diretoria de Meio Ambiente da SANEPAR, empresa de saneamento do Paraná. Algumas destas trilhas receberam proposta para readequação de uso visando aproveitamento turístico, em atendimento a uma das 18 demandas sugeridas pelo Conselho Municipal de Turismo de Piraquara como compensação pelo impacto ambiental a ser causado pela implantação da barragem Piraquara II. 

Este trabalho foi realizada por uma equipe interdisciplinar formada por profissionais vinculados á ASSOCIAÇÃO CAIGUAVA DE PESQUISAS, além do apoio de técnicos do  Centro de Educação Ambiental (CEAM) dos Mananciais da Serra, orgão da SANEPAR. A partir de hoje, vocês leitores começarão a acompanhar este projeto, podendo sugerir idéias e alimentar as discussões que aparecerão no blog. 

BIBLIOGRAFIA 

(1) STRUMINSKI, E., BORGES, M.V.K., ALMEIDA, M.R.A., NUNES, T. & BUENO, J. Diagnóstico Ambiental de trilhas dos Mananciais da Serra – Piraquara – Pr; propostas de manejo. Associação Caiguava de Pesquisas, Ecotécnica, Sanepar. Curitiba, 2006.

 (2) STRUMINSKI, E., BORGES, M.V.K., ALMEIDA, M.R.A., NUNES, T. & BUENO, J. Diagnóstico Ambiental e identificação de potencial de uso de trilhas dos Mananciais da Serra –Pr. In: 1O Congresso Nacional de Planejamento e Manejo de Trilhas. Anais. Rio de Janeiro, 2006. 

(3) RODERJAN,C.V. &  STRUMINSKI, E. Caracterização e proposta de manejo da Serra da Baitaca – Quatro Barras – Pr. 2v. Curitiba: FUPEF/Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 1992. 

(4) STRUMINSKI, E. Proteção Florestal. In: Projeto Anhangava. Curitiba: SEMA/IAP, Instituto Gaia do Brasil, 1998. P. 42 – 45. 

(5) STRUMINSKI, E. Avaliação do estado de conservação de uma trilha do Conjunto Marumbi, Serra do Mar paranaense. In: II Congresso Nacional Sobre Essências Nativas. Anais. São Paulo: Instituto Florestal, 1992. p. 1094 – 1098. 

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RISCOS DE INCÊNDIOS 

Edson Struminski (Du Bois) 

Outro fenômeno importante a considerar na ecologia de trilhas são as condições em que a probabilidade de ocorrência de incêndios é maior.

Uma área florestal aberta, alterada (por clareiras, aberturas de estradas ou trilhas) ou rala, representa risco, pois permite penetração livre dos raios solares e do vento na borda (efeito de borda), com aumento na evaporação e na temperatura dos materiais combustíveis, além de permitir a propagação de espécies oportunistas nativas como as bambusáceas, cipós ou a samambaia (Pteridium aquilinum), ou mesmo de herbáceas exóticas como gramíneas, o que contribui para o maior potencial de propagação do fogo, conforme pode ser visto na figura.

É importante, pois relacionar características dos vegetais que aumentam a probabilidade de combustão, são elas: a folhagem e casca inflamáveis, a retenção desta folhagem e a altura escassa do vegetal, fazendo com que a folhagem sujeite-se a incêndios superficiais, que queimam todo o material combustível como folhas e galhos caídos, gramíneas ou arbustos, até 1,80 m de altura(1).

Dentro dos materiais combustíveis, são classificados de “materiais perigosos” as folhas, pequenos galhos de diâmetro igual ou inferior a 1 cm, gramíneas, líquens e musgos, todos em estado seco. Estes materiais, por apresentarem menor temperatura de ignição, facilitam o início do fogo e aceleram a propagação, queimando-se rapidamente com muito calor e chamas intensas(1).

Da mesma maneira, os “materiais semi-perigosos”, incluiriam galhos acima de 1 cm de diâmetro, troncos caídos, tocos, húmus e turfa, ou seja os materiais lenhosos ou em decomposição e que podem estar compactados, o que faz com que queimem lentamente. Estes materiais possuem ignição mais lenta e difícil, desenvolvendo porém intenso calor, podendo manter uma combustão latente, com risco de reiniciar incêndios dados como controlados(1).

Também o enraizamento superficial devido à natureza inerente das espécies ou das condições da localização (afloramento rochoso), incrementa a suscetibilidade ao dano pelo fogo, ocasionado por incêndio subterrâneo, que propaga-se através das camadas de húmus ou turfa existentes sobre o solo mineral e abaixo do piso da floresta. Árvores com sistema radicial fasciculado e superficial são mais danificadas pelo fogo. É importante lembrar que em regiões montanhosas, é das acumulações de húmus que provém os nutrientes para as árvores(1), como em certas tipologias da Floresta Atlântica das vertentes, onde o incêndio estende-se para baixo, chegando ao leito rochoso com resultados desastrosos e instabilidade ambiental(2), conforme aconteceu em 2007 no monte Caratuva. Árvores com grande altura, apresentando troncos com cascas espessas e isolantes, além de possuirem grande capacidade de rebrota, seriam, algumas das características naturais que previnem danos causados pelo fogo.

Incêndios recorrentes favorecem o desenvolvimento de vegetação arbustiva, com espécies com folhagem resistente, baixa em valor nutritivo e de decomposição baixa, sendo plantas que se transformam em dominantes depois de fortes e repetidos incêndios, caso, por exemplo, das bambusáceas, gramíneas ou samambaias.

Nestas regiões o solo deteriorado, sob a influência de um manto empobrecido, evolui até as condições em que não pode sustentar a vegetação florestal original, muito embora, possam surgir espécies que reconstruam o solo(3).

Além disso, árvores jovens, folhas e pequenos ramos, são facilmente danificadas ou mortas pelo fogo. Árvores com copas baixas, ou desrama natural lenta, apresentam mais material aderido ao tronco, sendo sujeitas ao incêndio de copa, quando a folhagem é consumida pelo fogo, com altas taxas de mortalidade das árvores(1). Estas características são próprias de arbustos, árvores jovens, de pequeno porte ou crescimento lento, como nas classificações tipológicas capoeirinha (vegetação da 2a fase da sucessão vegetal secundária) e floresta altomontana, típica do alto das montanhas(2).

Outra regra conhecida do comportamento do fogo é a que define a tendência de propagação mais rápida nos aclives e mais lenta nos declives. Assim, um incêndio em aclive acentuado se assemelha a um incêndio no plano com vento. À medida que a inclinação aumenta, a velocidade de propagação também aumenta.

Além disso, os  incêndios não se distribuem uniformemente nas áreas florestais. Existem locais onde sua probabilidade é mais frequente, caso das proximidades de vilas ou acampamentos, áreas de exploração mineral, margens de trilhas, estradas, linhas de energia ou telégrafo e margens de rios ou represas. Podem ser acrescentados a esta lista vegetação secundária nos primeiros estágios de sucessão ou de vegetação natural de campos. Por outro lado, existem locais onde raramente ocorrem incêndios. A determinação de áreas com potencial  de ocorrência de incêndios possibilita a adoção de medidas preventivas.

Também é interessante observar alguns dados sobre a ocorrência de incêndios no Brasil(1). Fumantes aparecem como responsáveis por 6,01 % dos incêndios, representando 1,24 % da área queimada; incendiários respondem por 33,88 % dos incêndios, contabilizando 10,94 % em área e os fogos de recreação, típicos de trilheiros, apesar de responsáveis por número menor de incêndios (12,57%), causaram dano em 19,51 % da área registrada neste levantamento. Os dados coletados mostraram também que a maioria dos incêndios florestais (77,54%) ocorreu entre os meses de agosto a novembro em praticamente todos os estados do país.

Dados mais específicos foram levantados pelo Projeto Anhangava, realizado na Serra do Mar em Quatro Barras-Pr. Dos 13 incêndios combatidos por aquele projeto entre 1995-98, não foi possível apurar a causa provável para apenas um, sendo que cinco foram relacionados a fogos para mineração. Constatou-se, porém que o maior número (7 incêndios) foi provocado por visitantes, sendo cinco em grandes feriados (sete de setembro ou primeiro de maio), dias de visitação intensa(4).  De modo geral estes incêndios foram classificados nas classes I e II, ou seja pequenos incêndios em áreas de no máximo 4 ha. Os incêndios de maior porte (classe III, até 40 ha em 1997 e 2003) ocorreram no morro Pão de Loth, vizinho ao Anhangava.  

 Veja mais em: 

(1) SOARES, R. V. Incêndios florestais, controle e uso do fogo. Curitiba: FUPEF, 1985. 

(2) STRUMINSKI. E.   Parque Estadual Pico do Marumbi, caracterização ambiental e delimitação de áreas de risco. Curitiba, 1996. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) – Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná. 112 p. 

(3) NASCIMENTO, L.H.P. Combate a incêndios florestais. In: Curso de Guardas-parque. São José dos Pinhais: FBPN, 2001. P. 96 – 128. 

(4) STRUMINSKI, E. Proteção Florestal. In: Projeto Anhangava. Curitiba: SEMA/IAP, Instituto Gaia do Brasil, 1998. P. 42 – 45. 

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Edson Struminski (Du Bois) 

A DINÂMICA DE VERTENTES 

A Serra do Mar caracteriza-se pelo favorecimento dos processos de morfogênese (formação do relevo) sobre a pedogênese (formação dos solos), em relevos extremamente vigorosos, com muitos solos jovens e afloramentos rochosos, principalmente no terço superior das vertentes(1). Nesta situação a distribuição de solos em contato com a rocha, acarreta um ambiente de extrema fragilidade em vista da pluviosidade alta, sujeitando estes solos a fluxos de massa (erosões e deslizamentos).

Apesar deste ecossistema apresentar pequena capacidade de suporte à ação do homem, é possível encontrá-lo com muita frequência alterando estes solos, casos em que verifica-se o assoreamento dos rios e corpos d´água.

Por outro lado, com a elevação da altitude ocorre o desfavorecimento das condições ambientais, com uma seleção natural de espécies vegetais que se adaptam fisiologicamente a estas situações, porém, há um empobrecimento progressivo da diversidade florística  e da estrutura das comunidades vegetais. O relevo assume papel preponderante no contexto ecológico, situação em que os demais fatores ambientais participam como reflexos da topografia (2).

De qualquer modo, a floresta (formação arbórea densa) destaca-se como associação que maior influência tem nos processos superficiais da crosta. De certa forma existe um consenso generalizado, mas não absoluto, de que as florestas desempenham importante papel na proteção do  solo e o desmatamento promove a erosão e movimentos coletivos de solo. As interferências antrópicas são reconhecidas como desencadeadores de tais fenômenos. Assim, a atuação da floresta se dá no sentido de reduzir a intensidade da ação dos agentes do clima no maciço natural, de modo favorável à estabilidade das encostas (3).

A vegetação estrutura o solo e possibilita uma ação de cunha através de suas raízes, retém materiais deslocados, funcionado como freio e dissipador de energia provocando, porém, uma sobrecarga, ainda que reduzida, sobre a vertente.

Os detritos vegetais do chão da floresta, exercem papel preponderante no equilíbrio hídrico da região serrana. O tapete de detritos age como um “mata borrão”, absorvendo a chuva. Após encharcar-se tem a função de telhado por onde as águas escorrem sem promover erosão do solo. A umidade permanente deste tapete de detritos abastece o lençol freático, o qual por sua vez alimenta fontes de água. Um desequilíbrio qualquer (tectônico, climático ou antrópico), acelera o intemperismo mecânico (fragmentação das rochas e remoção dos solos) em relação à decomposição das rochas (intemperismo químico).

O desflorestamento é uma das causas de desequilíbrio que acelera a erosão nas vertentes. A retirada da cobertura vegetal por desflorestamentos ou incêndios faz crescer o escoamento superficial. O rastejamento lento do manto superficial de detritos (reptação) e o escoamento difuso são substituídos por canais torrenciais concentrados. Já o favorecimento do processo de sucessão natural pode ter efeito contrário: proteger a encosta.

Com o desflorestamento, a cobertura de húmus é retirada e a resistência dos agregados do solo é ultrapassada pelo escoamento superficial. Desta forma os perfis do solo ao longo da vertente se modificam. No setor mais inclinado a erosão retira o horizonte A do solo, que é o mais fértil e, na base, a acumulação rápida dos detritos, enterra este horizonte transportado. Esta situação de desequilíbrio bioclimático é chamada de resistasia.

Com excessão dos efeitos ligados à ação biológica, o sistema radicial das árvores é o único componente da floresta que continua agindo em benefício da estabilidade das encostas durante alguns anos após o corte de árvores. Posteriormente, PRANDINI (1982), determinou um período de quatro a cinco anos para o desaparecimento deste  sistema radicial, o que seria suficiente para que taludes antes estáveis e florestados atingissem seus pontos críticos de resistência, tornando-os sujeitos a ocorrência de movimentos de massa (4).

Eventos naturais como grandes chuvas, terremotos, modificações climáticas, etc, podem se constituir em “gatilhos” que desencadeiam estes processos. A capacidade  de acumulação da encosta não é infinita, pois a um certo momento ela se torna instável e busca o reequilíbrio através de movimentos coletivos de massa (5).

Isto pode ser previsto através de alguns indícios de avaliação da estabilidade de vertentes: sua inclinação, o material constituinte, a presença ou ausência de surgências de água, fendas de tração no solo, cicatrizes de antigos movimentos, árvores inclinadas, ondulações da superfície, etc. Quando dois ou mais destes elementos indicativos se encontram juntos, é muito provável que se trate realmente de uma encosta instável (5).

Um processo erosivo linear (que corte a encosta) e que modifique a geometria de uma vertente como acontece em uma trilha, pode gerar movimentos coletivos de solo, à medida que a erosão se aprofunda e a trilha sobe na encosta. Neste caso, o talude frontal e os laterais se tornam altos e instáveis, podendo romper-se. Uma trilha pode afetar o escoamento da água, que ocorre normalmente abaixo da superfície e passa a acontecer sobre a superfície da trilha, causando erosão e acúmulo de materiais encosta abaixo, conforme podemos ver na figura.

Desta forma, embora exista relação entre alta pluviosidade e escorregamentos, as formas de ação antrópica são reconhecidas como fortes desencadeadores destes fenômenos de instabilidade nas montanhas.    

Leia mais em: 

(1)CURCIO, G.R. A fragilidade ambiental sob o ponto de vista pedológico. In: Curso de recuperação de áreas degradadas. Anais.  Curitiba: FUPEF, 1994. p.5. 

(2)RODERJAN, C.V.   O gradiente da Floresta Ombrófila Densa Altomontana no Morro Anhangava, Quatro Barras, Pr. Curitiba, 1994. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) – Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná 

(3)PRANDINI, F.L., GUIDICINI, G., POTTURA, J.A.,  PONÇANO,W.L. & SANTOS, A.R. dos. Atuação da cobertura vegetal na estabilidade de encostas, uma resenha crítica. IPT, São Paulo, Publicação 1074, 1976. 

(4)PRANDINI, F. L. A cobertura florestal nos processos e evolução do relevo: o papel da floresta. In: Congresso Nacional Sobre  Essências Nativas. Anais.  São Paulo: Instituto Florestal, 1982. p. 1568 – 1582. 

(5)LOPES, J.A.U. Estimativa de estabilidade de encostas naturais e procedimentos preventivos/corretivos de engenharia civil. In: Curso de recuperação de áreas degradadas. Anais.  Curitiba: FUPEF, 1994. p. 20.  

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Edson Struminski (Du Bois) 

A trilha da Chaminé, na realidade a antiga estrada que cruzava o vale anteriormente existente antes dele ser inundado pela represa Piraquara I, nos anos 1980, apresenta uma declividade média baixa (em torno de 7o), sendo uma grande descida de 1.650 m (1) que pode ser percorrida em menos de uma hora, caso o clima esteja seco.

Apesar da baixa declividade e da vegetação no seu entorno estar em um estágio médio de sucessão vegetal (capoeira arbórea), com árvores em torno de 8 metros de altura, esta trilha apresenta-se com larguras excessivas (dados resumidos na Tabela a seguir), sendo, até agora, praticamente uma grande área degradada pelo uso de veículos pesados (costumava ser usada por jipeiros) e pela ausência de qualquer obra de manutenção. Segundo o seu Zesinho, morador antigo do morro do Canal, a última vez que foi feita manutenção neste trajeto foi a cerca de 30 anos atrás.

Assim são comuns problemas de erosão, vossorocas e, nos trechos de baixa declividade, empoçamento de água, denotando falta de drenagem. A vegetação lateral apresenta-se degradada por efeito de borda da estrada, apresentando profusão de  bambusáceas, que representam risco iminente de incêndios florestais. As erosões vem provocando problemas de assoreamento na represa, nos contatos dos ramais desta trilha com a água. Um destes assoreamentos, causado por um ramal desta trilha em direção à represa Piraquara 1 foi estimado em 2.000 m3(1). 

TABELA: RESUMO DOS DADOS COLETADOS NA TRILHA DA CHAMINÉ(1) 

55 TRECHOS DE 30 m LARG. MAX. (m) LARG. MÉDIA (m ) PROFUNDIDADE MÉDIA DE EROSÕES(m) DECLIVIDADE(graus)
MÉDIAS 4,40 3,60 0,62 – 6,59

 A trilha da Chaminé está sendo transformada em uma trilha para excursionistas, montanhistas ou naturalistas apreciadores do contato direto com áreas florestais. O seu principal atrativo cênico encontra-se no final, no encontro deste trajeto com a represa, local onde encontra-se uma chaminé centenária.  Para que esta transformação ocorra ela está sendo totalmente readequada, com a criação de barreiras para contenção de erosões, drenagens, manejo de vegetação de borda (corte de bambus).

Em 2006 a Sanepar colocou um portão com cadeado que restringiu o acesso de veículos ou de animais de grande porte nesta região. Desta forma o acesso a este local precisa ser solicitado no Centro de Educação Ambiental dos Mananciais da Serra.

Apenas pela colocação deste portão já foi possível constatar a ocorrência de melhorias na recuperação do ambiente, com o crescimento de alguma vegetação no solo exposto desta trilha. Ainda assim persistiam as grandes vossorocas, as monumentais poças d’água e grande quantidade de bambus.

Nesta primeira semana de trabalho (fim de janeiro e início de fevereiro) foram feitos inúmeros trabalhos de drenagem, com o objetivo de redirecionar e retirar a grande quantidade de água que corre pela trilha nesta época chuvosa do ano.

Outro trabalho em paralelo a este foi o de corte de taquaras. Esta bambusácea ocupa extensas áreas na borda desta antiga estrada e forma densas moitas. No pés destas taquaras acumula-se enorme quantidade de matéria orgânica fina (galhos, folhas), que formam uma grossa camada muito suscetível ao fogo.

Com o corte destas taquaras, em um primeiro momento, aumenta a quantidade deste material fino e a insolação destas bordas. O que aumentaria também o risco de incêndios, razão pela qual esta atividade tem de ser feita no período chuvoso.

A abertura desta borda da trilha deverá ativar o banco de sementes florestais que geralmente já existente por ali, mas que fica inibido pela falta de luz. Na verdade, durante o corte já podemos constatar a existência de mudas de árvores de várias espécies, como erva-mate, peroba, canela amarela, sassafrás, pinheiro, quaresmeira, capororoca, carne-de-vaca, leiteiro, vacum, entre outras. Algumas delas são espécies de capoeira, outras alcançarão o estágio final da floresta secundária.

A intenção final deste trabalho é o de reduzir a largura média da trilha para cerca de 1,5 metros, um padrão internacional para trilhas deste tipo, reduzir ao máximo os problemas de erosão e iniciar o processo de recuperação florestal da borda desta trilha. 

Leia mais em: 

(1) STRUMINSKI, E., BORGES, M.V.K., ALMEIDA, M.R.A., NUNES, T. & BUENO, J. Diagnóstico Ambiental de trilhas dos Mananciais da Serra – Piraquara – Pr; propostas de manejo. Associação Caiguava de Pesquisas, Ecotécnica, Sanepar. Curitiba, 2006. 

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