Por Edson Struminski
“Fronteras que nos unem y límites que nos separan” é um livro do sociólogo Enrique Mazzei que repousa na estante e que fala um pouco das boas coisas e das vicissitudes em viver na região da fronteira Brasil-Uruguai.
No mundo do montanhismo percebi, ao longo do tempo, que limite é uma linha que separa algo e que subentende uma série de formalidades, regras, exigências, controles ou até disputas, muitas vezes estéreis, que são realizadas entre os montanhistas, ou seja, os limites impostos por outros montanhistas não serviram para me unir a eles, ou sequer para melhorar o meu montanhismo, ao passo que toda vez que um montanhista me mostrou uma fronteira, isto significou uma região ao redor do limite, uma área à frente, de transição ou experimentação entre ideias, valores morais e éticos, onde a escalada precisa ser mais criativa e solidária …
Nestes 35 anos que completo em 2014 praticando montanhismo, me defrontei com ambos, fronteiras e limites, espaços e linhas indefinidos ou bem marcados, tanto pelo ego e pela vaidade humana, como pela generosidade e boa vontade das pessoas.
Aqui neste lugar onde estou vivendo, no sul do Brasil, na divisa com o Uruguai e com a Argentina, me defrontei com um duplo sentido de fronteira e de limite. De um lado o limite formal entre estes países, que exigem registros migratórios, cobram taxas, fazem restrições alfandegárias e monetárias ou pedem outras formalidades, toda vez que eu e meus companheiros buscamos explorar as pedras que estão dentro de uma “fronteira geográfica” onde estão as montanhas que nos interessam.
De outro lado limites criados por outros montanhistas ou escaladores no Brasil, Uruguai ou Argentina, todos ciosos em regular e manter sob controle seus pequenos espaços de escalada, através de seus grampos, chapas, trilhas ou regras enquanto expandíamos as fronteiras da nossa imaginação montanhística, ou seja, muitas vezes vimos serem criados limites para separar os escaladores em grupos e não ações para uni-los, como em uma fronteira amiga.
Com isto, o que me surpreendeu foi o improvável Uruguai. Até não muito tempo atrás a ideia que eu fazia deste país vizinho do Brasil era a de uma grande e monótona planície, com campos a perder de vista, onde seria mais fácil enxergar uma vaca que uma pessoa, onde existia uma grande e velha cidade, Montevidéu, cheia de carros antigos, um balneário badalado, Punta del Leste, usado por estrangeiros e pronto. Visões estereotipadas é verdade, construídas pela nossa falta de informações sobre a natureza e o povo deste país.
O norte do Uruguai acabou se revelando uma “frontera amiga” no sentido humano e na escalada. Descendo pela traquila Ruta 5, uma estrada que vai de Rivera a Montevidéu e que é uma continuação da BR 158, que vem de Porto Alegre e apenas uma hora após atravessar o limite entre os dois países, surgem, em meio a reflorestamentos de eucalipto e ao bucolismo rural da paisagem, vários cerros de arenito, formando grandes mesetas ou torres de pedra com paredes verticais repletas de fendas, rachaduras, tetos, diedros e outras formações que estavam ali, esperando a criatividade exploratória de algum escalador que se dispusesse a testar as possibilidades que estas rochas oferecem.
Estas formações rochosas formam continuidade com outras existentes no lado brasileiro da fronteira. Já tive a oportunidade, por exemplo, de contar aqui um pouco da aventura da abertura de vias no Cerro Palomas, no município de Santana de Livramento (RS).
Os principais locais de escalada que encontramos (eu, Miriam Chaudon e Fabrício Domingues) estão próximos à pequena vila de Minas de Corrales, um pouco antes da cidade de Tacuarembó. São comuns as paredes abruptas e mesetas isoladas, que mudam totalmente a paisagem da região. Alguns destes cerros como o Miriñaque, o Cuñapiru, o Cerro do Meio, o Batovi e algumas “cuestas” ao redor são repletos de fendas e fissuras, que proporcionaram a abertura de vias em móvel ou, eventualmente, com corda de cima, de uma maneira mais leve e rápida, algo bom para nós e para o lugar.
Como uma pequena metáfora deste país, as paredes são modestas e curtas, mas a beleza da paisagem dos campos altos, a tranquilidade do meio rural e a boa recepção das pessoas foi sempre um grande atrativo para voltarmos. Do ponto de vista da escalada, as vias demonstraram ser bem verticais, percorrendo uma rocha de boa qualidade, assim as escaladas foram atraentes o suficiente para justificar algumas viagens para quem mora do lado brasileiro, pois invariavelmente pudemos abrir um punhado de escaladas novas a cada passeio. Existe a possibilidade de uso de vários tipos de equipamentos móveis, desde os mais tradicionais como os nuts, até os mais elaborados, como os diferentes tipos de friends, o que significou um exercício mental muito produtivo para se criarem escaladas limpas.
Em um sentido mais amplo, a cada viagem estivemos reconhecendo o que existia de comum entre nós e a língua, usos e costumes das pessoas neste pedaço do Uruguai. Entre a natureza e a paisagem desta região e aquela onde estamos vivendo. Assim, ao subir estes cerros e abrir vias no Brasil e no Uruguai de forma semelhante, acabamos por ampliar, de uma forma bem particular, um pouco mais o sentido de “fronteira” que esta região possui e, com isto, nos sentindo mais unidos a ela.
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