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Archive for agosto \27\+00:00 2008

 

Por Edson Struminski (Du Bois)

 

No início do mês de agosto de 2008 concluí-se o projeto de recuperação ambiental e de manejo de trilhas nos Mananciais da Serra, um belo lugar situado aos pés da Serra do Mar paranaense, a 35 km de Curitiba, capital paranaense.

Os trabalhos envolveram três trilhas e uma estrada centenária e foi realizado com o intuito de valorizar o potencial turístico natural e histórico desta região, a partir da implantação de um sistema de trilhas com características conservacionistas e sustentáveis. Em um certo sentido tratou-se de um trabalho pioneiro no Estado do Paraná, pois, como comenta Costa et al. (1), atualmente especialistas (ecólogos, biólogos, geógrafos, engenheiros florestais, etc.) detém conhecimentos que transformam a abertura de trilhas em um trabalho científico, pedagógico e até mesmo paisagístico e, de fato, foi o que aconteceu no local, a partir de um projeto elaborado em 2006 (2).

O sistema implantado no local substitui trilhas e estradas que encontravam-se em estado de abandono ou com manutenção precária ou inadequada, sendo, em alguns casos, geradoras de passivos ambientais ou causadoras de graves problemas ambientais na região.

Com a melhora do leito das trilhas mediante diques,  calçamentos rústicos e outros apoios, o visitante terá a opção de utilizar trilhas em melhores condições, evitando naturalmente assaltar as margens destes caminhos. As erosões e excessos laterais foram, em grande parte desativadas e, naturalmente começarão a ser colonizadas pela vegetação nativa, resultando em um avanço das margens dos caminhos. Da mesma forma, ao se implantar um calçamento e/ou um leito de trilha definido, as larguras média e máximas das trilhas serão menos vulneráveis ao efeito “sazonal” do aumento da visitação em feriados e períodos invernais, quando mais pessoas frequentam a região e a vegetação encontra-se em fase vegetativa, portanto, mais vulnerável.

 

A TRILHA DO MORRO DO CANAL

 

A trilha do morro do Canal merece um comentário à parte, em função de ser bastante procurada pelos montanhistas que freqüentam os setores de escalada existentes neste lugar. Ao longo desta trilha formaram-se diversos locais onde a passagem dos visitantes levou a remoção da vegetação e a movimentos de massa (deslizamentos) que expuseram o substrato rochoso. Ao longo dos anos soluções improvisadas foram realizadas com o intuito de diminuir o risco para os visitantes, como a colocação de cordas, as quais foram substituídas por apoios metálicos, pois constatou-se que os visitantes continuavam utilizando as laterais das áreas deslizadas para apoio, algo que continuava mantendo o ciclo de destruição da vegetação e remoção do solo da margem da trilha e, em última análise, ampliando a área degradada pela trilha.

Nem todos os visitantes do  local são montanhistas com prática em terrenos declivosos, ou possuem a condição física ideal para esta atividade, assim, estes equipamentos conduzem, com segurança os visitantes pelo centro das rampas, evitando o desgaste das laterais da trilha

A instalação de equipamentos fixos como degraus e correntes em ambientes de montanha é motivo de polêmica entre a comunidade de montanhistas. Uma parcela mais purista destes esportistas defende não só a não instalação destes equipamentos, como a sua retirada em montanhas onde já estejam instalados. Este pensamento parte do princípio de que se uma pessoa não é plenamente habilitada para caminhar em uma montanha, então não deveriam ser instalados equipamentos para facilitar sua ascensão. Já no extremo oposto estão aqueles que defendem a democratização do acesso aos locais montanhosos, justificando a instalação de qualquer facilidades com o argumento de ampliação da base social do esporte.

Ambos os argumentos tem falhas e méritos. Segundo Nuñez (3), a banalização atual dos perigos da montanha cria uma falsa atmosfera de segurança, que favorece certas atitudes despreocupadas e irresponsáveis. Para este comentarista,  o número de pessoas que vez ou outra se expõe, sem saber, a riscos desnecessários é incrível e alarmantemente grande, gerando a necessidade de resgates que provocam danos ambientais e expõe os próprios resgatistas a riscos adicionais. Porém, a utilização de escadas de ferro e correntes, mais segura quando o tempo está aberto, pode se tornar, conforme  Schubert (3), um risco com o tempo tempestuoso, pois este tipo de equipamento de segurança pode tornar-se um para-raios por sua menor resistência elétrica, gerando risco adicional para os visitantes da montanha em tempo chuvoso.

Todos estes fatos foram pesados, sendo que neste projeto, procurou-se conciliar a proteção dos recursos naturais com a segurança dos visitantes, através da instalação de novos equipamentos de segurança, o que, obviamente minimiza, mas não elimina de todo a possibilidade de acidentes. De qualquer forma, entende-se que o turismo em massa não é compatível com um ambiente de montanha tropical, como o do morro do Canal e que a visitação desta montanha, certamente uma experiência interessante, deve ocorrer com um mínimo de orientação. Tudo isto significa que a gestão futura de uma área deste tipo terá de ser cada vez mais cuidadosa.

De qualquer modo, no sentido de evitar esta banalização que foi comentada acima, foram deixados locais onde o visitante poderá experimentar a sensação e a dificuldade da ascensão de uma montanha, sem ter de correr riscos desnecessários, além de serem realizadas  algumas medidas preventivas, como o calçamento em pontos com erosão, a colocação de sinalização na forma de fitas plásticas de cor amarela, que foi implantada para orientar o visitante na subida e descida da trilha, bem como a instalação de uma placa com uma série de informações de caráter educativo/orientativo no início da trilha do morro do Canal.

 

ALGUMAS CONCLUSÕES FINAIS

 

Entendeu-se que este projeto deveria executar mais do que meras obras de engenharia civil, recuperar áreas degradadas ou apenas adequar trilhas para uso turístico. Desde o início ficou claro que deveria ser importante gerar também ganhos sociais e ambientais (e não impactos ambientais, como é comum na implantação de qualquer projeto) que, inclusive, ultrapassassem o limitado período de execução do projeto (6 meses). A maior parte dos recursos do projeto foi gasta no comércio local e quase 90 % dos trabalhadores eram da região, alguns pertencentes a famílias com longa tradição em trabalhos de campo na região.

Além da recuperação de áreas erodidas,  o manejo das trilhas apoiou-se também em técnicas e conhecimentos recentes de manejo florestal, que supõe o manejo de borda destas trilhas e estradas, envolvendo o corte de vegetação de caráter oportunista que aparece naturalmente em áreas de borda sujeitas a insolação intensa, caso das bambusáceas e da samambaia (Pteridium aquilinum), o que vem irá permitir o aparecimento de espécies florestais que deverão ocupar estes espaços.

Estas medidas deverão refletir-se positivamente na forma de aumento da biodiversidade florestal na borda das trilhas, redução de risco de incêndios, melhoria da possibilidade de trânsito para a fauna local e também na captura de carbono por parte desta borda florestal. Isto significa gerar um ativo ambiental para a empresa contratante do projeto (Sanepar), na forma de carbono capturado que futuramente poderá ser medido em uma área de aproximadamente 100 mil metros quadrados, correspondente a cerca de 10 metros laterais manejados em aproximadamente 10 km de trilhas e estradas da região. Na verdade, embora pouco evidente, este ganho ambiental é de longe o principal e mais longo benefício que o projeto deixará na região.

Conforme foi proposto no diagnóstico realizado nestas trilhas em 2006 (2), sugeriu-se que a liberação para o público das trilhas manejadas neste projeto ocorra apenas após um período de seis meses a um ano após a finalização dos trabalhos, após o período em que ocorre o  aumento de material combustível pela seca deste tipo de vegetação.

Este período inicial de pousio é necessário para que os materiais combustíveis gerados pelos cortes de espécies oportunistas sejam decompostos naturalmente, para que haja controle de rebrotas  e para que o processo de sucessão natural (via mudas ou banco de sementes já disponíveis no local), estimule a ocupação gradativa das áreas manejadas por espécies arbóreas, que irão sombrear e umedecer as bordas da trilha, reduzindo assim o risco de incêndio. Também é um período importante para que haja acomodação natural do calçamento colocado em algumas trilhas.

Também é importante relembrar que de acordo com experiências de manejo já realizadas, o prazo para o completo desaparecimento ou redução substancial destas espécies oportunistas é dois anos, período em que  é recomendável a manutenção do controle de rebrotas das espécies oportunistas, por meio de corte seletivo. Mesmo assim permanece válida a observação de que um ciclo completo de recuperação para estas áreas demandará no mínimo cinco anos, período em que é importante monitorar eventuais focos de incêndio remanescentes, além de manter-se orientação e apoio aos visitantes, com relação a procedimentos seguros nas trilhas, a interpretação da natureza, do patrimônio histórico e das atividades de recuperação realizadas.

É recomendável, também, que, após a fase inicial de planejamento e a posterior de implantação, as áreas em recuperação sejam monitoradas, através de medições que acompanhem a evolução da erosão e a largura dos caminhos, de modo a verificar o  acerto dos trabalhos realizados ou a necessidade de eventuais correções.

Também deverá ser estabelecida uma capacidade de uso para as trilhas da região. Neste sentido Stankey et al. (4) apresentam uma reformulação do conceito de capacidade de carga recreacional, sendo que a ênfase primária deverá estar nas condições desejadas para uma determinada área, ao invés de quanto uso uma área poderá tolerar.

]Finalmente, é importante recomendar cautela no uso destes novos recursos criados nesta região. Ainda que, conforme Farrel (5) muitos problemas advindos do uso recreativo das áreas naturais não sejam conseqüência exatamente do número de pessoas envolvidas, mas do comportamento dos visitantes, do manejo dos recursos e da capacitação para administrar essas questões, é importante lembrar que tanto o setor público como o privado, estadual ou municipal ainda não possuem condições para promover ou explorar adequadamente o turismo nos Mananciais da Serra. Toda a estrutura exterior ao projeto implantado, que aqui representa apenas um produto turístico, ainda é precária. Será necessário formar guias, atendentes, pessoas especializadas em emergências. Serão necessárias pousadas, restaurantes, serviços adequados aos visitantes. Tentativas de massificar o uso deste recurso neste instante poderão ocasionar a perda dos ganhos obtidos.

Como o local onde estas trilhas foram manejadas encontram-se hoje dentro da ampliação de um parque estadual (Pico do Marumbi), existe grande possibilidade de que o manejo ali implantado reflita-se em benefícios duradouros. Um primeiro passo foi dado com este projeto.

 

 

 FONTES:

(1)    COSTA, S. M.; GAMA, S. V. G. & MOURA, J. R. S. As trilhas como unidade de análise ambiental: o caso do Maciço Gericinó-Mendanha (RJ). Anais do X Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. Rio de Janeiro, RJ. 2003.

 

(2)    STRUMINSKI, E., BORGES, M.V.K., ALMEIDA, M.R.A., NUNES, T. & BUENO, J. Diagnóstico Ambiental de trilhas dos Mananciais da Serra – Piraquara – Pr; propostas de manejo. Associação Caiguava de Pesquisas, Ecotécnica, Sanepar. Curitiba, 2006.

 

(3)    SCHUBERT, P. Seguridad y riesgo, análisis y prevención de accidentes de escalada. Madrid, Ed Desnivel. 1996. 331 p.

 

(4)    STANKEY, G.H., COLE, D.N., LUCAS, R. C.; PETERSEN, M. E. & FRISSELL, S. S.The Limits of Acceptable Change (LAC) system for wilderness planning. Forest Service. United States Department of Agriculture. General Technical Report INT- 176, p 1-37, 1985.

 

(5)    FARREL, T.A.; Marion, J.L.; The Protected Area Visitor Impact Managent (PAVIM):A Simplified Process for Making Mangement Decisions. Journal of Sustainable Tourism. Vol. 10, No 1, 2.002. p. 31-49.

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Edson Struminski (Du Bois)

Encontro um mapa  de 1929 (1) da região em que estou trabalhando ultimamente nos Mananciais da Serra, a uns 35 km de Curitiba. Faltam maiores referências geográficas, curvas de nível, dados topográficos mais sólidos, coordenadas UTM, estas coisas. É o que hoje chamaríamos de um croqui, quase uma concepção artística do terreno. Mas se ele não tem maior valor como dado geográfico, sobram dados históricos. Lá está marcada uma Casa de Bombas, que abrigava duas locomotivas sem rodas que moviam uma grande bomba que mandava água para Curitiba, nos primórdios do século XX (2). Hoje esta usina não existe mais, está embaixo da represa do Caiguava, que inundou boa parte de um lindo vale na Serra do Mar e armazena água para a capital paranaense.

Outras curiosidades também aparecem no mapa, como uma seqüência de grandes piscinas, ou “caixas” de armazenamento de água do antigo sistema de abastecimento (e que mandavam água para a Casa de Bombas). Estas caixas ainda existem no lugar, chegamos inclusive a descobrir uma que não estava neste mapa original. O sistema todo completou 100 anos em agosto de 2008.

A citação mais curiosa e intrigante deste mapa é a da “Estrada Velha da Invernada”. Esta estrada, se é que existiu, estaria também submersa, e o restante estaria situado em um local altamente improvável para uma estrada. Um grande platô situado entre montanhas, porém minado por muitos rios com uma enorme quantidade de meandros, que dificultam o trânsito com veículos e animais, um labirinto. A vegetação em nada lembra uma invernada, ou seja, um local com campos verdes onde o gado pode ser levado para passar o inverno. Na verdade, a vegetação nesta região é exatamente o contrário disto, a densa e úmida Floresta Atlântica, imagem que se vê quando se desce pela ferrovia que vem de Curitiba para o litoral.

A Estrada Velha da Invernada seria, de acordo com as informações passadas pelo meu velho amigo, o arqueólogo Julio Cesar Thomaz Telles, uma provável conexão entre dois antigos caminhos coloniais existentes no Paraná. A Estrada do Itupava e a do Arraial, dois trajetos oficiais que subiam do litoral para o primeiro planalto paranaense, a partir do século XVIII. A Invernada seria, como se pode ler nos documentos do historiador Estrela Moreira (3) nada mais nada menos que um desvio feito pelos tropeiros para fugir do pedágio existente naqueles caminhos oficiais, então pouco controlados, ou seja, não é de hoje que as pessoas fogem dos achaques arrecadadores estatais. Sonegação de impostos e fuga de pedágios não é novidade para os brasileiros.

Acabei fazendo uma primeira tentativa de encontrar a tal estrada a partir de uma referência conhecida. Uma das antigas estradas abandonadas na porção alta do platô. Após o fim do trecho de estrada, passo algumas horas andando em meio a árvores tortuosas, um taquaral infernal e terrenos bruscos, junto com uma jovem parceira de caminhada. Acabamos subindo o rio do Mico (o nome é este mesmo), a tempo de escapar de uma chuva em um terreno ruim (pegamos a chuva em um terreno bom).

Pagamos o mico, mas para todos os efeitos, esta caminhada, sem maiores métodos lógicos serviu para que eu entendesse o terreno, a geomorfologia e a vegetação do lugar. Me deu, além disso, a estranha percepção de que tudo o que ali estava já tinha, de alguma forma, sido modificado pelo ser humano, algo que me parecia intrigante, considerando o relativo isolamento daquela floresta em relação a aquilo que hoje chamamos de civilização.

Alguns dias depois estava de volta a esta busca. Desta vez em companhia do parceiro Julio Thomaz, que tinha uma noção muito mais aprimorada do que a minha a respeito do que procurar.

Nossa caminhada partiu da ferrovia atrás de um hipotético ponto marcado no GPS, um local onde imaginávamos que encontraríamos alguma coisa, a partir do que vimos no Google Earth. O terreno não se apresentou melhor: árvores tortuosas e um denso taquaral e que às vezes mudava para um denso taquaral, com árvores tortuosas e com bambus finos e particularmente desconfortáveis quando raspavam no pescoço. Além disso havia uma surpreendente quantidade de rios meandrosos, o que para mim era uma completa novidade naquele trecho da serra onde os rios geralmente são encaixados na geologia e era só.

Todos sabem como é notória a falta de capacidade do GPS de receber sinais dentro de uma floresta. Tínhamos um certo medo também, não totalmente infundado, de que alguém cometesse um atentado terrorista contra os americanos em algum lugar do mundo (era o dia 4 de julho, o independence day deles ) e eles desligassem os sinais do GPS. O nosso aparelho não nos desapontou no quesito confusão dentro da floresta, embora uma combinação de GPS mais ou menos, navegação pelo sol, farejamento do terreno tenha permitido que avançássemos algum tempo mantendo a ilusão de que estávamos indo para algum lugar.

Após 3 horas andando neste terreno tortuoso, taquarístico e meandroso, começamos a subir uma encosta repleta de bambus e taquaras, de onde tivemos uma visão indescritível. Uma vasta floresta tortuosa repleta de bambus e taquaras, com muitos rios meandrosos pela frente.

Naquela altura começava a ficar mais ou menos implícito que a tal Estrada da Invernada parecia não passar mesmo de uma lenda, pelo menos para nós naquela situação desconfortável. Uma referência sem maiores sentidos em um mapa velho. Era o que o cansaço de andar em um terreno completamente sem o menor jeito de comportar um caminho nos dizia.

1 da tarde aproximou-se, era nosso limite. Já andávamos há 4 horas e era o horário definido para a volta, mais uma margem de segurança. O GPS nos mostrava números incoerentes, algo como 500, 300, ou 600 metros para atingir o ponto desejado, o qual seria o centro de um hipotético campo, ou invernada, onde seguramente passaria a tal estrada. A decisão de voltar tornou-se, então, inevitável. Dei uma última olhada para aquela floresta desanimadora, cheia de árvores tortuosas, bambus, taquaras e rios meandrosos, totalmente desinteressante para um montanhista e reparei que pelo menos uma destas árvores, para variar, parecia reta, anormalmente reta. Leitura de terreno de engenheiro florestal acostumado a andar no meio da floresta. Andamos mais uns metros e a tal árvore revelou-se como sendo um pinheiro, uma espécie já totalmente fora do seu ambiente natural naquele lugar. O ambiente começou a ficar mais luminoso, apareceram tufos de um capim grosso, saímos em uma clareira, com capim e arvoretas. Havíamos encontrado a invernada!

Gastamos nossa meia horinha de margem de segurança curtindo aquele achado espantoso e improvável. Era como marcar um gol nos últimos segundos do segundo tempo, como chegar ao cume de uma montanha depois de uma dificílima escalada. Um trunfo de navegação intuitiva/tecnológica. Um trecho de 1000 metros por 500 de antigos pastos no coração da Serra do Mar, em meio a centenas de quilômetros quadrados de Floresta Atlântica. Obviamente seria pretensão nossa imaginar que nunca nenhum montanhista das antigas tenha estado neste local, embora ele não revele nenhum atrativo especial para este tipo de visitante. Já para um arqueólogo a coisa pode ser diferente. Uma investigação arqueológica deste meu amigo deverá revelar mais detalhes desta invernada, que eu, ou outro montanhista meramente curioso, não conseguiria ver, como a própria estrada que certamente passava por esta invernada. Coisa que tem de ser feita por alguém com o olhar treinado para os detalhes como ele.

Em campo aberto o GPS nos mostrou um rumo confiável para a volta. Alinhamos este rumo pelo sol e prosseguimos: meandros, bambus, cansaço, etc. A imaginação correndo solta. Imaginamos dezenas de pessoas e animais passando em um trecho improvável da Serra do Mar, antes da existência da estrada de ferro (a qual já é do século XIX), as alegrias de um pouso seguro no meio das montanhas para peões cansados, o calor de fogueiras noturnas em meio a escuras montanhas desconhecidas, o drama de algum caçador desgarrado do grupo e perdido no meio do nada. Uma conexão entre dois caminhos históricos. Uma conexão entre dois tempos, o nosso e o deles. A história do Paraná passando por um campo esquecido no tempo.

Veja mais em:

DEPARTAMENTO GEOGRAPHICO E GEOLÓGICO. Planta da Região dos Mananciaes de Água que abastecem Curityba, Município de Piraquara. Curitiba. 1929. 1 mapa: p&b,; 60×80 cm. Escala 1:10.000

SCHUSTER, L.L.Z. SANEPAR ano 30, resgate da memória do saneamento básico no Paraná. Curitiba: SANEPAR. 1994.

MOREIRA, J.E. Caminhos das Comarcas de Curitiba e Paranaguá.   Curitiba: Imprensa Oficial, 3 vol, 1975.

 

 

 

 

 

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Edson Struminski (Du Bois)

 

Tema recorrente nas discussões da lista de mensagens da FEPAM (Federação Paranaense de Montanhismo) e certamente comum a qualquer entidade ligada ao montanhismo no mundo é o que diz respeito à conservação das montanhas. De um lado, existe a percepção de que muito poderia ser feito a cada ano para que as montanhas pudessem ser melhor conservadas: prevenção do risco de incêndios, recuperação de trilhas, grupos de resgate, estrutura de apoio aos visitantes em parques funcionando, parcerias entre Estado e clubes de montanha. Por outro lado existe a constatação de que mais um ano se passou e pouca coisa foi feita neste sentido.

Ao mesmo tempo percebemos que nossos montanhistas são muito expressivos nas suas atividades individuais e feitos nas montanhas, em contraste com nossas instituições de montanhistas (clubes, associações, federações), que parecem viver em uma eterna gangorra, com momentos onde existe grande participação, projetos e atividades e outros onde elas apenas parecem subsistir, quando conseguem. A história do montanhismo brasileiro é repleta de clubes que aparecem do nada e ao nada voltam passado algum tempo, situação bastante comum do Rio de Janeiro. Ou seja, o coletivo do montanhismo nem sempre parece muito maduro, embora isto esteja, naturalmente, mudando com o tempo.

Pergunto então, porque aparentemente nos parece tão difícil a concepção de projetos e a participação coletiva nestas atividades? Será que nós montanhistas somos mesmo tão individualistas como nós comentamos entre nós mesmos?

Pessoalmente eu prefiro considerar que nós, montanhistas, não somos nem piores, nem melhores que a sociedade da qual originamos. A matriz ideológica da nossa sociedade é o liberalismo, uma doutrina que surgiu para proteger a individualidade do cidadão.

 

LIBERALISMO, UMA DOUTRINA SOCIAL NO BRASIL

 

Note-se que normalmente na sociedade, o bem comum é assegurado quando expressa a vontade da maioria. Mas como a garantia dos direitos individuais não é necessariamente assegurada pela maioria, a propriedade apareceu, para os liberais, como meio de autopreservação individual da liberdade diante dos Estados despóticos ou autoritários que existiam no século XVIII e XIX, alguns, na verdade, ainda sobrevivendo (1). Um mal necessário, segundo Von Mises (2), um liberal do início do século XX, mal este que, para ele, não pode ser descartado, enquanto o homem não tenha se desenvolvido eticamente de modo pleno.

Assim o liberalismo desenvolveu uma vertente conservadora que baseava seu direito nas posses. Ter posses (bens, recursos, propriedades) era o que dava direito a uma pessoa a ser cidadão em um estado liberal conservador e garantia o respeito à sua individualidade. Não por acaso o auge deste modelo foi no século XIX, período em que no Brasil existia um império em que os proprietários privados de terra se dedicavam a devastar a Floresta Atlântica que existia nas montanhas do sul e sudeste do país, sem maiores crises de consciência.

Naturalmente a luta pela liberdade fez com que o liberalismo desenvolvesse algumas formas mais revolucionárias, ao estilo da Revolução Francesa, que campearam pelo mundo no século XIX, mas o que nos interessa aqui é entender como o liberalismo como doutrina, moldou nosso pensamento no Brasil.

Merquior (3) sugere que o liberalismo evoluiu para a defesa da liberdade das minorias, como no caso, comum na Europa, das minorias nacionais sempre consideradas como compostas por cidadãos de segunda classe. Também aconteceu que a partir de 1880, surgiram liberais mais preocupados com a justiça social nas comunidades, em vista dos efeitos do industrialismo. Tratava-se de uma reação às críticas socialistas que atropelavam o individualismo liberal, mas tidas pelos liberais como comprometedoras da liberdade e desestimuladoras da responsabilidade individual, pois promoviam a idéia de um estado cujo poder estaria nas mãos dos trabalhadores e não apenas dos proprietários. É possível imaginar, então, que o sentido do coletivo tenha sido resgatado da tradição grega neste momento. De qualquer modo, percebemos então algo que Foucault (4) comenta, que o liberalismo começou a tornar-se “polimorfo”, tanto servia como crítica ou como regulador da prática governamental, mas não previa modificações profundas na estrutura social.

Após a 1a Guerra Mundial, este estado liberal polimorfo e, muitas vezes amorfo, começou a ser cada vez mais questionado e a entrar em colapso. Surgiram teses que defendiam estados fortes, totalitários, que colocariam o interesse individual abaixo do interesse público.

 

O SURGIMENTO DO SENTIDO PLENO DO PÚBLICO

 

No Brasil, a principal personificação deste modelo foi o Estado Novo dirigido por Getúlio Vargas (1930 – 45), momento em que consolidou-se a idéia do Estado como detentor de propriedades e bens públicos. Não por acaso os primeiros parques nacionais surgiram nesta época, como Itatiaia (1937), Serra dos Orgãos e Iguaçu (1939), sob aplauso de clubes de montanha, conforme comenta o historiador Warren Dean (5). Segundo o historiador, organizações envolvidas com a conservação da natureza influenciaram a legislação inicial do Governo Vargas, promoviam congressos e debates, agitavam a opinião pública em favor de reservas e assumiam posturas ativas, como o Centro Excursionista Brasileiro, cujas guias de montanha foram, segundo este autor, credenciados como guardas-florestais. As áreas dos parques passaram a ser públicas, administradas por orgãos do Estado em nome da sociedade.

Neste instante, nós brasileiros que freqüentamos estes locais, seja para escalar, seja para caminhar, passamos a conviver com o verso da medalha da propriedade da terra no país. Se até então a propriedade privada parecia ser o terreno fértil de um comportamento muitas vezes desregrado e sujeito aos humores dos proprietários, com o Estado como proprietário, tudo passou a ser (pelo menos em tese) totalmente regrado: planos de manejo, zonas restritas ao uso público, regras, algo que costuma ser aplaudido por muitos montanhistas. Porém, necessariamente, nós montanhistas estaremos então, nestas áreas públicas, praticando nossas atividades individuais (abertura de vias) e marcando nossas “posses”, sempre sujeitas ao direito estatal, que pode criar regras, restrições e mesmo proibições às nossas atividades, em função de um objetivo maior que a conservação da natureza. Um objetivo público é verdade, mas definido por um número limitado de pessoas, técnicos, que nem sempre entendem a atividade do montanhismo.

O período Vargas significou um tipo de intervenção estatal no ambiente natural, que a rigor só vem aumentando, mesmo que o período em que vivemos hoje seja mais democrático. Na verdade, seja intervindo direto na vida dos cidadãos, como é o caso dos orgãos estatais de meio ambiente, seja indiretamente através de uma imensa legislação regulatória, temos que ter em mente que, no Brasil, a presença do Estado na vida pública sempre será considerável.

Porém, em nosso país, com o ressurgimento de um Estado democrático ampliou-se a importância do sentido do coletivo, exemplificado, por exemplo, no direito a um meio ambiente sadio, um direito coletivo e difuso, ou seja, um direito de todos os cidadãos. Houve uma explosão de organizações não governamentais, o chamado terceiro setor, que procurou ampliar o espaço da prática coletiva, aumentou nossa sensibilidade para as finalidades mais diversas: ambientais, sociais, econômicas.  Indiretamente há com isto, uma revalorização das entidades, como os clubes de montanha, que possuem algum histórico de atuação sócio-ambiental. Em um sentido restrito, o coletivo valoriza o público que deveria ser garantido pelo Estado, mas não se restringe a ele.

Entretanto, em artigos anteriores postados neste blog, eu já tive oportunidade de explorar um pouco este assunto. Em “Avaliando o Adote uma montanha” e em “O melhor e o pior do Pegaleve”, eu fiz uma avaliação de projetos ambientais que a comunidade de montanhistas apresenta para a sociedade. São projetos interessantes, voltados para a participação voluntária, mas que estimulam, em última análise, mais a mudança individual que propriamente a participação coletiva, ou mesmo das comunidades ao redor das montanhas em uma atividade coletiva em prol destas mesmas montanhas. Assim, o coletivo não é tão forte em nosso meio porque ainda o nosso individualismo predomina e ainda não entendemos plenamente o valor deste coletivo.

Para algumas pessoas com quem comentei este assunto, eu costumo dizer que o meu horizonte para a consolidação de um ideal coletivo em nosso pais, como contraposição ao individualismo, ou como uma terceira via de diálogo (daí o terceiro setor) além do setor público (estatal) e do setor privado (empresarial), deverá ocorrer ao longo dos próximos 30 anos. Isto significa que nós não teremos, seguramente, uma plena compreensão do valor do trabalho coletivo, dos bens coletivos ou dos direitos coletivos, por exemplo, no próximo ano, muito embora isto esteja surgindo tanto no meio estatal como empresarial, como demonstram as diversas parcerias entre os três setores da sociedade. Mas certamente deverá aumentar esta compreensão e a sensibilização para este assunto nos próximos 30 anos. Tempo em que, possivelmente, teremos um primeiro presidente da república e outros políticos, eleitos em nosso país, que tenham vivido a vida inteira (quiçá), em um ambiente democrático e estável e, portanto, valorizem este fator tão significativo da vida moderna que é o coletivo, para a evolução da sociedade.

 

LEIA MAIS!

 

(1)     BARRETO, V. Primórdios do liberalismo. O liberalismo e representação política: o período imperial. In: Curso de Introdução ao pensamento político brasileiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1982. Unidade I e II. p. 11 – 107.

 

(2)     VON MISES, L. liberalismo segundo a tradição clássica. Rio de Janeiro:  José Olympio Editora, 1987.

 

(3)     MERQUIOR, J.G. As reinvindicações do Liberalismo Social. In: O Liberalismo Social, uma visão histórica. São Paulo: Massao Ohno editor. 1998. p. 09 a 44.

 

(4)     FOUCAULT, M. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970 – 1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1997.

 

(5)     DEAN, W. A ferro e a fogo, a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

 

 

 

 

 

 

 

 

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