Por Edson Struminski (Du Bois)
No início do mês de agosto de 2008 concluí-se o projeto de recuperação ambiental e de manejo de trilhas nos Mananciais da Serra, um belo lugar situado aos pés da Serra do Mar paranaense, a 35 km de Curitiba, capital paranaense.
Os trabalhos envolveram três trilhas e uma estrada centenária e foi realizado com o intuito de valorizar o potencial turístico natural e histórico desta região, a partir da implantação de um sistema de trilhas com características conservacionistas e sustentáveis. Em um certo sentido tratou-se de um trabalho pioneiro no Estado do Paraná, pois, como comenta Costa et al. (1), atualmente especialistas (ecólogos, biólogos, geógrafos, engenheiros florestais, etc.) detém conhecimentos que transformam a abertura de trilhas em um trabalho científico, pedagógico e até mesmo paisagístico e, de fato, foi o que aconteceu no local, a partir de um projeto elaborado em 2006 (2).
O sistema implantado no local substitui trilhas e estradas que encontravam-se em estado de abandono ou com manutenção precária ou inadequada, sendo, em alguns casos, geradoras de passivos ambientais ou causadoras de graves problemas ambientais na região.
Com a melhora do leito das trilhas mediante diques, calçamentos rústicos e outros apoios, o visitante terá a opção de utilizar trilhas em melhores condições, evitando naturalmente assaltar as margens destes caminhos. As erosões e excessos laterais foram, em grande parte desativadas e, naturalmente começarão a ser colonizadas pela vegetação nativa, resultando em um avanço das margens dos caminhos. Da mesma forma, ao se implantar um calçamento e/ou um leito de trilha definido, as larguras média e máximas das trilhas serão menos vulneráveis ao efeito “sazonal” do aumento da visitação em feriados e períodos invernais, quando mais pessoas frequentam a região e a vegetação encontra-se em fase vegetativa, portanto, mais vulnerável.
A TRILHA DO MORRO DO CANAL
A trilha do morro do Canal merece um comentário à parte, em função de ser bastante procurada pelos montanhistas que freqüentam os setores de escalada existentes neste lugar. Ao longo desta trilha formaram-se diversos locais onde a passagem dos visitantes levou a remoção da vegetação e a movimentos de massa (deslizamentos) que expuseram o substrato rochoso. Ao longo dos anos soluções improvisadas foram realizadas com o intuito de diminuir o risco para os visitantes, como a colocação de cordas, as quais foram substituídas por apoios metálicos, pois constatou-se que os visitantes continuavam utilizando as laterais das áreas deslizadas para apoio, algo que continuava mantendo o ciclo de destruição da vegetação e remoção do solo da margem da trilha e, em última análise, ampliando a área degradada pela trilha.
Nem todos os visitantes do local são montanhistas com prática em terrenos declivosos, ou possuem a condição física ideal para esta atividade, assim, estes equipamentos conduzem, com segurança os visitantes pelo centro das rampas, evitando o desgaste das laterais da trilha
A instalação de equipamentos fixos como degraus e correntes em ambientes de montanha é motivo de polêmica entre a comunidade de montanhistas. Uma parcela mais purista destes esportistas defende não só a não instalação destes equipamentos, como a sua retirada em montanhas onde já estejam instalados. Este pensamento parte do princípio de que se uma pessoa não é plenamente habilitada para caminhar em uma montanha, então não deveriam ser instalados equipamentos para facilitar sua ascensão. Já no extremo oposto estão aqueles que defendem a democratização do acesso aos locais montanhosos, justificando a instalação de qualquer facilidades com o argumento de ampliação da base social do esporte.
Ambos os argumentos tem falhas e méritos. Segundo Nuñez (3), a banalização atual dos perigos da montanha cria uma falsa atmosfera de segurança, que favorece certas atitudes despreocupadas e irresponsáveis. Para este comentarista, o número de pessoas que vez ou outra se expõe, sem saber, a riscos desnecessários é incrível e alarmantemente grande, gerando a necessidade de resgates que provocam danos ambientais e expõe os próprios resgatistas a riscos adicionais. Porém, a utilização de escadas de ferro e correntes, mais segura quando o tempo está aberto, pode se tornar, conforme Schubert (3), um risco com o tempo tempestuoso, pois este tipo de equipamento de segurança pode tornar-se um para-raios por sua menor resistência elétrica, gerando risco adicional para os visitantes da montanha em tempo chuvoso.
Todos estes fatos foram pesados, sendo que neste projeto, procurou-se conciliar a proteção dos recursos naturais com a segurança dos visitantes, através da instalação de novos equipamentos de segurança, o que, obviamente minimiza, mas não elimina de todo a possibilidade de acidentes. De qualquer forma, entende-se que o turismo em massa não é compatível com um ambiente de montanha tropical, como o do morro do Canal e que a visitação desta montanha, certamente uma experiência interessante, deve ocorrer com um mínimo de orientação. Tudo isto significa que a gestão futura de uma área deste tipo terá de ser cada vez mais cuidadosa.
De qualquer modo, no sentido de evitar esta banalização que foi comentada acima, foram deixados locais onde o visitante poderá experimentar a sensação e a dificuldade da ascensão de uma montanha, sem ter de correr riscos desnecessários, além de serem realizadas algumas medidas preventivas, como o calçamento em pontos com erosão, a colocação de sinalização na forma de fitas plásticas de cor amarela, que foi implantada para orientar o visitante na subida e descida da trilha, bem como a instalação de uma placa com uma série de informações de caráter educativo/orientativo no início da trilha do morro do Canal.
ALGUMAS CONCLUSÕES FINAIS
Entendeu-se que este projeto deveria executar mais do que meras obras de engenharia civil, recuperar áreas degradadas ou apenas adequar trilhas para uso turístico. Desde o início ficou claro que deveria ser importante gerar também ganhos sociais e ambientais (e não impactos ambientais, como é comum na implantação de qualquer projeto) que, inclusive, ultrapassassem o limitado período de execução do projeto (6 meses). A maior parte dos recursos do projeto foi gasta no comércio local e quase 90 % dos trabalhadores eram da região, alguns pertencentes a famílias com longa tradição em trabalhos de campo na região.
Além da recuperação de áreas erodidas, o manejo das trilhas apoiou-se também em técnicas e conhecimentos recentes de manejo florestal, que supõe o manejo de borda destas trilhas e estradas, envolvendo o corte de vegetação de caráter oportunista que aparece naturalmente em áreas de borda sujeitas a insolação intensa, caso das bambusáceas e da samambaia (Pteridium aquilinum), o que vem irá permitir o aparecimento de espécies florestais que deverão ocupar estes espaços.
Estas medidas deverão refletir-se positivamente na forma de aumento da biodiversidade florestal na borda das trilhas, redução de risco de incêndios, melhoria da possibilidade de trânsito para a fauna local e também na captura de carbono por parte desta borda florestal. Isto significa gerar um ativo ambiental para a empresa contratante do projeto (Sanepar), na forma de carbono capturado que futuramente poderá ser medido em uma área de aproximadamente 100 mil metros quadrados, correspondente a cerca de 10 metros laterais manejados em aproximadamente 10 km de trilhas e estradas da região. Na verdade, embora pouco evidente, este ganho ambiental é de longe o principal e mais longo benefício que o projeto deixará na região.
Conforme foi proposto no diagnóstico realizado nestas trilhas em 2006 (2), sugeriu-se que a liberação para o público das trilhas manejadas neste projeto ocorra apenas após um período de seis meses a um ano após a finalização dos trabalhos, após o período em que ocorre o aumento de material combustível pela seca deste tipo de vegetação.
Este período inicial de pousio é necessário para que os materiais combustíveis gerados pelos cortes de espécies oportunistas sejam decompostos naturalmente, para que haja controle de rebrotas e para que o processo de sucessão natural (via mudas ou banco de sementes já disponíveis no local), estimule a ocupação gradativa das áreas manejadas por espécies arbóreas, que irão sombrear e umedecer as bordas da trilha, reduzindo assim o risco de incêndio. Também é um período importante para que haja acomodação natural do calçamento colocado em algumas trilhas.
Também é importante relembrar que de acordo com experiências de manejo já realizadas, o prazo para o completo desaparecimento ou redução substancial destas espécies oportunistas é dois anos, período em que é recomendável a manutenção do controle de rebrotas das espécies oportunistas, por meio de corte seletivo. Mesmo assim permanece válida a observação de que um ciclo completo de recuperação para estas áreas demandará no mínimo cinco anos, período em que é importante monitorar eventuais focos de incêndio remanescentes, além de manter-se orientação e apoio aos visitantes, com relação a procedimentos seguros nas trilhas, a interpretação da natureza, do patrimônio histórico e das atividades de recuperação realizadas.
É recomendável, também, que, após a fase inicial de planejamento e a posterior de implantação, as áreas em recuperação sejam monitoradas, através de medições que acompanhem a evolução da erosão e a largura dos caminhos, de modo a verificar o acerto dos trabalhos realizados ou a necessidade de eventuais correções.
Também deverá ser estabelecida uma capacidade de uso para as trilhas da região. Neste sentido Stankey et al. (4) apresentam uma reformulação do conceito de capacidade de carga recreacional, sendo que a ênfase primária deverá estar nas condições desejadas para uma determinada área, ao invés de quanto uso uma área poderá tolerar.
]Finalmente, é importante recomendar cautela no uso destes novos recursos criados nesta região. Ainda que, conforme Farrel (5) muitos problemas advindos do uso recreativo das áreas naturais não sejam conseqüência exatamente do número de pessoas envolvidas, mas do comportamento dos visitantes, do manejo dos recursos e da capacitação para administrar essas questões, é importante lembrar que tanto o setor público como o privado, estadual ou municipal ainda não possuem condições para promover ou explorar adequadamente o turismo nos Mananciais da Serra. Toda a estrutura exterior ao projeto implantado, que aqui representa apenas um produto turístico, ainda é precária. Será necessário formar guias, atendentes, pessoas especializadas em emergências. Serão necessárias pousadas, restaurantes, serviços adequados aos visitantes. Tentativas de massificar o uso deste recurso neste instante poderão ocasionar a perda dos ganhos obtidos.
Como o local onde estas trilhas foram manejadas encontram-se hoje dentro da ampliação de um parque estadual (Pico do Marumbi), existe grande possibilidade de que o manejo ali implantado reflita-se em benefícios duradouros. Um primeiro passo foi dado com este projeto.
FONTES:
(1) COSTA, S. M.; GAMA, S. V. G. & MOURA, J. R. S. As trilhas como unidade de análise ambiental: o caso do Maciço Gericinó-Mendanha (RJ). Anais do X Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. Rio de Janeiro, RJ. 2003.
(2) STRUMINSKI, E., BORGES, M.V.K., ALMEIDA, M.R.A., NUNES, T. & BUENO, J. Diagnóstico Ambiental de trilhas dos Mananciais da Serra – Piraquara – Pr; propostas de manejo. Associação Caiguava de Pesquisas, Ecotécnica, Sanepar. Curitiba, 2006.
(3) SCHUBERT, P. Seguridad y riesgo, análisis y prevención de accidentes de escalada. Madrid, Ed Desnivel. 1996. 331 p.
(4) STANKEY, G.H., COLE, D.N., LUCAS, R. C.; PETERSEN, M. E. & FRISSELL, S. S.The Limits of Acceptable Change (LAC) system for wilderness planning. Forest Service. United States Department of Agriculture. General Technical Report INT- 176, p 1-37, 1985.
(5) FARREL, T.A.; Marion, J.L.; The Protected Area Visitor Impact Managent (PAVIM):A Simplified Process for Making Mangement Decisions. Journal of Sustainable Tourism. Vol. 10, No 1, 2.002. p. 31-49.