Por Edson Struminski (Du Bois)
Esta pergunta e suas variantes (quem vai cuidar do morro tal? Ou quem vai cuidar do parque tal?), tem sido pano de fundo de uma discussão que ocorre, no momento em que escrevo este artigo, na lista da FEPAM. Há um certo consenso entre os montanhistas sobre alguns assuntos, adapte-os ao seu Estado:
As instituições ambientais existentes no Estado do Paraná (no Brasil em geral) são ineficientes para cuidar das montanhas.
Os parques são de papel (parques origamis é o termo usado).
Os programas estatais aplicados nas montanhas, como o recém falecido Pró-Atlântica no Paraná, devem ter feito um grande sucesso agora que voltaram para Marte de onde vieram, mas deixaram um rastro de destruição ambiental por onde passaram, um paradoxo, portanto.
As ONGs, clubes de montanha em particular, montanhistas em especial, tem dado duro, muito duro, através do Adote uma Montanha, ou similares, para tapar os buracos desta ineficiência toda. Batalham pelos parques, até quando os origamis queimam. São até mesmo bombeiros voluntários e voluntariosos.
Tudo o que escrevi acima, consenso, acho, entre os montanhistas, é verdade, meia verdade ou mentira, vocês escolhem, marquem V (verdadeiro) ou F (falso) naquelas que quiserem.
O fato é que eu gostaria que vocês leitores refletissem sobre um dado numérico. Digamos que por uma graça do Espírito Santo o governador do Estado do Paraná (ou de qualquer estado) resolvesse criar um novo programa próatlântica (cuja maior novidade seria ortográfica, não ter o hífen) que trouxesse, de novo, um cofrinho bem grande de dinheiro para a Serra do Mar, para as montanhas. Digamos que triplicasse, quintuplicasse, octuplicasse o número de funcionários do órgão ambiental (que atende o estado inteiro). Isto bastaria para cuidar dos 500 mil hectares das montanhas da Floresta Atlântica, ou de qualquer área ainda conservada no Brasil? É pouco provável. Teríamos mais alguns jipões circulando e mais alguns trailers do Zé Colmeia (uma novidade aqui no Paraná no lugar das sedes de parques) encostados em alguns pés de morros para contar o número de visitantes que aparecem.
No entanto, mesmo que ganhassem isto tudo, me parece que os orgãos ambientais não seriam de todo avessos a financiar projetos sólidos que impliquem na conservação das montanhas, projetos bem construídos, politicamente bem articulados. Existem pessoas idôneas e sensíveis com quem conversar nos órgãos ambientais e no meio político. Será que as instituições de montanhismo tem apresentado estes projetos, tem feito estas conversas no nível necessário, tem se articulado?
Muito do que instituições públicas fazem, dizem respeito a processos administrativos (quanto mais gente mais processos), assim, com mais gente, na melhor das hipóteses, teriam um pouco mais de agilidade burocrática, na pior o contrário. Eles não podem fazer milagres. Já os projetos estatais, como alguns feitos pelo Pró Atlântica no Paraná padecem de “vícios de método”. São fadados ao fracasso (mais detalhes ler na minha tese de doutorado), embora isto deva ir mudando ao longo dos anos. 30 anos é o meu prognóstico, período em que a síndrome de comando e controle estatal ceder lugar para uma gestão participativa nas unidades de conservação públicas. Isto está previsto na legislação. Será que as instituições de montanhismo tem se preocupado realmente em fazer valer esta parte da legislação?
Por outro lado, chamo a atenção para o fato de que muitas empresas (segundo setor) já estão em uma fase mais avançada da gestão ambiental. A primeira fase é o pagamento de multas de danos. A segunda é a remediação e gerenciamento de impactos. A terceira é a prevenção de impactos e gerenciamento de projetos de responsabilidade social e ambiental. Na discussão da FEPAM percebi que alguns montanhistas tem asco ao falar em empresas. Mas o fato é que quando aplicam bons projetos elas aliviam o Estado, são exemplo para parceiros potenciais e não motivo para vômitos coletivos.
Assim como já tive oportunidade de trabalhar em projetos patrocinados elo governo, no ano de 2008 tive a oportunidade de executar um projeto empresarial deste tipo em uma região chamada de Mananciais da Serra, já comentado aqui no blog. Para alguns montanhistas o que fizemos foi apenas recuperar algumas trilhas para a comodidade deles. Na prática induzimos a empresa de saneamento do Estado a tomar gosto por um projeto deste terceiro tipo. Foi um projeto inovador e, diante disto, foi muito significativa a falta de visão de alguns montanhistas que criticaram detalhes superficiais do projeto, mas não viram o todo.
Não obstante este fato, existe grande potencial para este tipo de trabalho com empresas privadas, que usam áreas em montanhas para ferrovias, rodovias, oleodutos, linhas de alta tensão. Existem empresas que possuem áreas em montanhas: mineradoras, reflorestadoras, faculdades, colégios. Cabe um pouco a cada um agir coordenadamente para viabilizar projetos com estas empresas.
Chegamos então ao terceiro setor. Eu não sou o terceiro setor. Você que está lendo agora não é o terceiro setor. Podemos ir combater voluntariamente um incêndio na montanha, participar de um mutirão para recuperar uma trilha, cortar um Pinus invasor de uma área natural. Isto é voluntarismo. Entretanto continuamos sendo apenas indivíduos. Posso individualmente escrever um projeto, mas isto ainda é pouco sem instituições sérias e idôneas por trás.
Como indivíduo eu posso participar de instituições como um clube de montanha e através desta instituição perguntar, como em 1983, com 21 anos de idade, no Congresso Pró Implantação do Parque Marumbi: quem vai cuidar da Serra do Mar? Ou retomar esta pergunta através de uma dissertação de mestrado pela universidade ou de um projeto através de uma ONG, do Estado ou de uma empresa.
Como indivíduos podemos ser radicais, reacionários, conservadores, liberais, etc. Mas quando isto acontece com instituições raramente há progressos. Como indivíduos podemos ser acolhidos, ou ignorados e rejeitados por estas instituições quando elas não são verdadeiramente democráticas. Por outro lado, muitas pessoas nos prestam regularmente o favor de nos lembrar de que como indivíduos, podemos realmente ser dispensáveis nas discussões sobre a conservação das montanhas, ou mesmo sobre o montanhismo, pois podemos incomodar muita gente. Mas este não é o caso das instituições que tem papeis distintos, pois idealmente devem conter a diversidade de pensamentos e promover consensos democráticos, que aproveitariam os aspectos inovadores dos excessos.
Podemos mudar de um lugar para outro, já as instituições tem caráter permanente, mesmo que mudem de endereço. Então eu lembro que pessoas que se reúnem, ainda que de forma transitória, em clubes ou federações que tem como emblema as montanhas herdam e assumem uma responsabilidade histórica com esta tal pergunta que não cala, tema deste artigo, mesmo que não queiram.
Este compromisso não muda mesmo que o montanhismo praticado por pessoas pertencentes a estas instituições pareça muitas vezes vazio, como podemos ler nos vários relatos que circulam aos baldes na internet. As pessoas que integram clubes e federações continuam, mesmo sem se dar conta, representando o terceiro setor e uma tradição conservacionista, um ideal de conservação das montanhas. Individualmente podemos nos dar ao luxo de mudar de ideias várias vezes e até esquecer este ideal, as instituições precisam manter uma ideologia mais coerente, caso contrário perdem a credibilidade junto à sociedade.
Para aliviar um pouco esta responsabilidade, eu lembro que existem outras instituições que são parceiras potenciais na proteção das montanhas e a quem já recorremos no passado. A OAB, Institutos de Engenharia, a SBPC, o CREA, conselhos de classe (biologia, geografia), que tem lá seus departamentos de meio ambiente, são terceiro setor. Fundações de empresas ou das universidades também. Estas instituições tem recursos que os montanhistas não tem. Circulam em esferas com potencial de influenciar governos na aplicação de recursos. Instituições conversam oficialmente, promovem debates, geram documentos, influenciam políticas públicas, geram fundos públicos que aí sim, viabilizam projetos. Assim, se hoje as instituições que mais se ressentem da ausência de uma política pública para as montanhas são aquelas ligadas ao montanhismo, então cabe a elas dar a partida para implantá-la. É preciso um pouco mais de esforço, de generosidade. Os parceiros aparecem.
Então, quem vai cuidar das montanhas?
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